VAGABUNDO
O
senador Flávio Bolsonaro chamou Renan Calheiros, o eterno senador das Alagoas,
de vagabundo. O adjetivo, que também pode ser usado como substantivo, soou em
plena sessão de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Dita comissão, presidida
pelo também dito Renan Calheiros, tem em mira a investigação de procedimentos
do Poder Executivo (leia-se Jair Bolsonaro) nessa calamidade da saúde provocada
pelo Covid 19.
O
uso do aludido vocábulo, no - imaginem!- depurado ambiente do Senado Federal,
onde só se pronunciam discursos num vernáculo apurado e depurado de palavras
com duplo sentido, não poderia senão exigir a reunião de outra comissão, para
enquadrar Flávio Bolsonaro em “falta de decoro parlamentar”.
Fazer
soar no ambiente puro do Senado uma palavra desse calibre, é não conhecer a
honra daquela casa, os pundonores do parlamento, desrespeitando os costumes que
lá medram. Lá vale mais o que se faz do que o que se diz.
Vagabundo
não é uma palavra compatível para definir qualquer membro daquela casa de
senhores com mais de trinta e cinco anos de idade. Vagabundos não cuidam de si
próprios. Mas, os excelentíssimos senhores senadores da república, sabem cuidar
de si. E sabem cuidar muito bem. Verbas de gabinete, planos de saúde que
vigoram até a morte, diárias, aprovações ou desaprovações de projetos
legislativos em troca de verbas e cargos nas funções públicas de alto quilate,
as mais variadas espécies de indenizações, como passagem aéreas e outras
assemelhadas, são uma prova inconteste de que eles trabalham.
Vagabundo?
Que palavrão detestável para quem precisa dar presença de terça a quinta-feira
na casa, todas as semanas, menos no recesso parlamentar e nos feriadões
custeados pelo tesouro? Vagabundos eles, os senadores, que deixam dormir, nas
comissões e nas gavetas, projetos de lei que poderiam prevenir o povo de muitas
desgraças públicas?
Lá
não é vagabundo quem é pego escondendo dinheiro de propina nas cuecas, quem
enriquece com dinheiro mal havido, quem se derreia em prerrogativas e se
esconde atrás do voto, para não responder por seus crimes.
Lá
não é vagabundo quem vê virtude no vício supurante da demagogia, ou quem gasta
o dinheiro do contribuinte em folganças que pobre não conhece. Não é vagabundo
quem deixa a Constituição entregue ao bel prazer do STF, enquanto o povo é
privado do “devido processo legal”, para satisfazer o ego dos togados.
Não
é vagabundo quem deixa de aparelhar o Estado com um sistema legislativo que
sirva de pálio para abrigar todas as classes sociais, mas enriquece à custa
dele, com os fundilhos plantados na cadeira de senador.
Não,
o vocábulo “vagabundo” não soa bem dentro daquela augusta casa. Vagabundo não é
um palavrão de sentido amplo, que possa abranger toda e qualquer safadeza.
Vagabundo é uma palavra muito pobre para definir irresponsabilidades, conchavos
em troca de consciência, espírito de vingança, desdém para com o interesse
público.
Vagabundo
é um vocábulo de sentido deficiente, aleijado, desprovido de força para definir
o que o povo consciente pensa das excelências a cujo nome for essa inocente
palavra ajoujada.
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