sexta-feira, 21 de maio de 2021

 

VAGABUNDO

O senador Flávio Bolsonaro chamou Renan Calheiros, o eterno senador das Alagoas, de vagabundo. O adjetivo, que também pode ser usado como substantivo, soou em plena sessão de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Dita comissão, presidida pelo também dito Renan Calheiros, tem em mira a investigação de procedimentos do Poder Executivo (leia-se Jair Bolsonaro) nessa calamidade da saúde provocada pelo Covid 19.

O uso do aludido vocábulo, no - imaginem!- depurado ambiente do Senado Federal, onde só se pronunciam discursos num vernáculo apurado e depurado de palavras com duplo sentido, não poderia senão exigir a reunião de outra comissão, para enquadrar Flávio Bolsonaro em “falta de decoro parlamentar”.

Fazer soar no ambiente puro do Senado uma palavra desse calibre, é não conhecer a honra daquela casa, os pundonores do parlamento, desrespeitando os costumes que lá medram. Lá vale mais o que se faz do que o que se diz.

Vagabundo não é uma palavra compatível para definir qualquer membro daquela casa de senhores com mais de trinta e cinco anos de idade. Vagabundos não cuidam de si próprios. Mas, os excelentíssimos senhores senadores da república, sabem cuidar de si. E sabem cuidar muito bem. Verbas de gabinete, planos de saúde que vigoram até a morte, diárias, aprovações ou desaprovações de projetos legislativos em troca de verbas e cargos nas funções públicas de alto quilate, as mais variadas espécies de indenizações, como passagem aéreas e outras assemelhadas, são uma prova inconteste de que eles trabalham.

Vagabundo? Que palavrão detestável para quem precisa dar presença de terça a quinta-feira na casa, todas as semanas, menos no recesso parlamentar e nos feriadões custeados pelo tesouro? Vagabundos eles, os senadores, que deixam dormir, nas comissões e nas gavetas, projetos de lei que poderiam prevenir o povo de muitas desgraças públicas?

Lá não é vagabundo quem é pego escondendo dinheiro de propina nas cuecas, quem enriquece com dinheiro mal havido, quem se derreia em prerrogativas e se esconde atrás do voto, para não responder por seus crimes.

Lá não é vagabundo quem vê virtude no vício supurante da demagogia, ou quem gasta o dinheiro do contribuinte em folganças que pobre não conhece. Não é vagabundo quem deixa a Constituição entregue ao bel prazer do STF, enquanto o povo é privado do “devido processo legal”, para satisfazer o ego dos togados.

Não é vagabundo quem deixa de aparelhar o Estado com um sistema legislativo que sirva de pálio para abrigar todas as classes sociais, mas enriquece à custa dele, com os fundilhos plantados na cadeira de senador.

Não, o vocábulo “vagabundo” não soa bem dentro daquela augusta casa. Vagabundo não é um palavrão de sentido amplo, que possa abranger toda e qualquer safadeza. Vagabundo é uma palavra muito pobre para definir irresponsabilidades, conchavos em troca de consciência, espírito de vingança, desdém para com o interesse público.

Vagabundo é um vocábulo de sentido deficiente, aleijado, desprovido de força para definir o que o povo consciente pensa das excelências a cujo nome for essa inocente palavra ajoujada.

 

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