O POVO E O VENTO
Debaixo do céu
cinzento, onde nuvens sujas dançavam, o minuano gelado uivava na cumieira dos
telhados, obrigava as árvores a se curvar, emprestava asas às folhas, sacudia
as vidraças, e forçava portas e janelas. Na rua, donde desapareceram madames e
senhores desocupados a serviço de seus cachorrinhos, os raros passantes, que
pareciam fantasmas, encobertos da cabeça aos pés, caminhavam curvados, para
proteger o rosto dos golpes do vento.
No alto do edifício em
obras, pedreiros em trabalho de reboco externo tinham seu destino entregue aos
desatinos do vento. O minuano os vergastava com seus chicotes gelados, jogava
de um lado para o outro, como um brinquedo de criança, o andaime, onde os
operários, apenas com o paredão pela frente, não tinham em que se agarrar.
A natureza escolheu
esse mês de julho e esse ano de pandemia para se exibir num cenário de inverno,
como há muitos anos não se via. E, na parte humana desse espetáculo, o pior
papel foi confiado àqueles que não desfrutam de privilégio nenhum: os que, se
expondo aos maus humores da regente desse espetáculo, vivem exclusivamente do
trabalho pesado, e só dele. São pessoas que não atraem olhares de piedade, nem
falsas misericórdias. Há um contrato, firmado entre capitalistas que vivem de
rendas e juros, e capitalistas que vivem da exploração do trabalho alheio,
prevendo prazo determinado para a entrega da obra. O custo dela para os
operários, que não fizeram parte do contrato, e do qual nem sequer tomaram
conhecimento, é uma circunstância totalmente irrelevante. O que conta, de
acordo com a Constituição e as leis, é o capital investido.
E enquanto os
operários, aqui no sul, padeciam os maus tratos do vento, do frio e do medo, lá
em Brasília o clima não mudava. Renan Calheiros e a companheirada que forma a
CPI do Covid se davam uma folga. O estafante trabalho de desdenhar ou tratar
deseducadamente as pessoas que não diziam o que eles queriam, lhes deu o
direito de fazer, durante o “recesso parlamentar”, o que sempre fizeram de útil
para o povo brasileiro na vida: nada. Bolsonaro continuou negociando com Ciro
Nogueira. Os militares, dentro da caserna, e o STF em recesso, dando garantia
ao cumprimento da Constituição, que permite aos parlamentares malbaratar o
dinheiro do povo que trabalha e paga imposto para sustentar parasitas.
É o trabalho que gera
a riqueza. Sem trabalho não haveria capital. Sem trabalho e sem capital não
haveria impostos. Sem o risco de vida que estavam passando num andaime sacudido
pelo vento os operários, aquela obra teria existido? E sem a obra, (aquela e
milhões de outras) quem custearia recessos, subsídios, vencimentos, soldos,
verbas extraordinárias fundos eleitorais e outros privilégios?
Os R$ 881.966 bilhões
arrecadados no primeiro semestre deste ano pela Receita Federal é fruto do
trabalho do povo e não da conversa de políticos. Mas quem malbarata o dinheiro
do povo com mordomias principescas são os políticos. Tudo conforme a
Constituição, garantida pelo STF e pelos militares. E o povo e o vento que continuem
uivando ...
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