sexta-feira, 6 de agosto de 2021

 

O POVO E O VENTO

 

Debaixo do céu cinzento, onde nuvens sujas dançavam, o minuano gelado uivava na cumieira dos telhados, obrigava as árvores a se curvar, emprestava asas às folhas, sacudia as vidraças, e forçava portas e janelas. Na rua, donde desapareceram madames e senhores desocupados a serviço de seus cachorrinhos, os raros passantes, que pareciam fantasmas, encobertos da cabeça aos pés, caminhavam curvados, para proteger o rosto dos golpes do vento.

 

No alto do edifício em obras, pedreiros em trabalho de reboco externo tinham seu destino entregue aos desatinos do vento. O minuano os vergastava com seus chicotes gelados, jogava de um lado para o outro, como um brinquedo de criança, o andaime, onde os operários, apenas com o paredão pela frente, não tinham em que se agarrar.

 

A natureza escolheu esse mês de julho e esse ano de pandemia para se exibir num cenário de inverno, como há muitos anos não se via. E, na parte humana desse espetáculo, o pior papel foi confiado àqueles que não desfrutam de privilégio nenhum: os que, se expondo aos maus humores da regente desse espetáculo, vivem exclusivamente do trabalho pesado, e só dele. São pessoas que não atraem olhares de piedade, nem falsas misericórdias. Há um contrato, firmado entre capitalistas que vivem de rendas e juros, e capitalistas que vivem da exploração do trabalho alheio, prevendo prazo determinado para a entrega da obra. O custo dela para os operários, que não fizeram parte do contrato, e do qual nem sequer tomaram conhecimento, é uma circunstância totalmente irrelevante. O que conta, de acordo com a Constituição e as leis, é o capital investido.

 

E enquanto os operários, aqui no sul, padeciam os maus tratos do vento, do frio e do medo, lá em Brasília o clima não mudava. Renan Calheiros e a companheirada que forma a CPI do Covid se davam uma folga. O estafante trabalho de desdenhar ou tratar deseducadamente as pessoas que não diziam o que eles queriam, lhes deu o direito de fazer, durante o “recesso parlamentar”, o que sempre fizeram de útil para o povo brasileiro na vida: nada. Bolsonaro continuou negociando com Ciro Nogueira. Os militares, dentro da caserna, e o STF em recesso, dando garantia ao cumprimento da Constituição, que permite aos parlamentares malbaratar o dinheiro do povo que trabalha e paga imposto para sustentar parasitas.

 

É o trabalho que gera a riqueza. Sem trabalho não haveria capital. Sem trabalho e sem capital não haveria impostos. Sem o risco de vida que estavam passando num andaime sacudido pelo vento os operários, aquela obra teria existido? E sem a obra, (aquela e milhões de outras) quem custearia recessos, subsídios, vencimentos, soldos, verbas extraordinárias fundos eleitorais e outros privilégios?

 

Os R$ 881.966 bilhões arrecadados no primeiro semestre deste ano pela Receita Federal é fruto do trabalho do povo e não da conversa de políticos. Mas quem malbarata o dinheiro do povo com mordomias principescas são os políticos. Tudo conforme a Constituição, garantida pelo STF e pelos militares. E o povo e o vento que continuem uivando ...

 

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