UMA NEGRA
MUITO COBIÇADA
Ouvir o
farfalho dela sobre o corpo, sentir sua textura fina e reluzente, arrancando
suspiros e despertando desejos, era, em tempos idos, o sonho de poucos machos.
Só homens talhados pela cultura, pelo raciocínio correto, pelo domínio do
idioma, pela riqueza da síntese, pela circunspecção e pela reserva que apenas
os sábios sabem cultivar, ousariam manifestar o desejo de tê-la consigo.
Ela
não servia de prêmio para qualquer um. Não tinha sido criada para saciar
desejos de mal intencionados, de homens que batiam em mulheres, de plagiários,
de recalcados pela reprovação em exames
de qualidade para o exercício de grandes cargos públicos, de gente que diz que
mata no peito, mas depois afrouxa o garrão. Não era confiada a homens de baixo
teor intelectual, de homens que pintam cabelo, usam peruca, retocam as unhas e
as sobrancelhas para aparecer bem no vídeo.
Poucos,
sim, muito poucos seriam os machos que, ao recebê-la em seus braços, poderiam
dizer: “sempre sonhei com você”.
Ela não se encostaria no corpo de um macho que não
soubesse argumentar sem agredir, no de um pscicopata com cara de fantasma
carrancudo ou no de um vaidoso de voz macia que ousa falar como se conhecesse
os segredos do universo.
Ela só
cairia bem no corpo de um macho que soubesse respeitá-la. O brilho hipnotizante
que ela irradia estava só destinado à embriaguez dos sábios.
Assim era
ela. Mas, aos poucos a foram mudando. Começaram a lhe emprestar características
ou a lhe anexar valores totalmente irrelevantes. Ao invés da sabedoria, que não
tem distinções, os critérios para sua entrega começou a incluir aparências: cor
e sexo. Tipo assim: hoje ela vai se aninhar no corpo do fulano, para prestigiar
a cor dele; amanhã será a vez da sicrana, que não tem pênis e só faz xixi
sentada.
E com
tantas mudanças, seus orgasmos múltiplos de glória e poder passaram a
enfeitiçar qualquer um que se submetesse à humilhação de beijar os pés dos
políticos inescrupulosos, que têm cacife de semvergonhice suficiente para
comprar almas e revendê-las ao diabo. E foi se expondo como objeto de
ignomínia. Para tê-la, para encostar o pescoço em sua gola de rendas, até a
farra de uma noite em iate de luxo já chegou a ser o bastante.
Todas as
pessoas de boas intenções, neste país, querem que ela seja o que deve ser,
mostrando um recato que imponha respeito e submissão.
Mas, para
que isso aconteça, os políticos terão que deixar de tratá-la como quenga, como
um objeto de leilão em prostíbulo, como prazer de aluguel que vai para os
braços de quem promete mais, de quem só
contribui com sua vaidade para o mau uso do poder. Sim, ela precisa realmente
ser respeitada para impor respeito, ela merece reconfiguração para aquele
estilo que atraía confiança, poder e discrição, ela, a negra formosa, cobiçada, que provoca
orgasmos de poder, glória e vaidade em quem a tem sobre o corpo: a toga de
ministro do Supremo Tribunal Federal.
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