UMA FICÇÃO CHAMADA JUSTIÇA
A figura ridícula do Juiz de Direito, doutor
Pardenúncio Fogoso, no romance “Memórias de um Gaiteiro de Cabaré”, vem a
propósito da contemporaneidade na qual quis o autor desenvolver o enredo.
Aquele sujeitinho, sempre mal na foto, representa um tema que está na boca de
todos os brasileiros, de um tempo a esta parte.
“Me deixa de fora desse seu mau sentimento. Você é
uma pessoa horrível. Uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia. Qual
é sua ideia? Qual é sua proposta? Nenhuma! É bílis, ódio, mau sentimento, mal
secreto, uma coisa horrível. V. Exa. nos envergonha, V. Exa é uma desonra para
o tribunal. Uma desonra para todos nós. É péssimo isso. V. Exa. sozinho
desmoraliza o Tribunal. É muito penoso para todos nós termos que conviver com
V. Exa. aqui. Uma vergonha,um constrangimento”.
Segundo o site www.migalhas.com.br/quentes/276801, essas foram palavras saídas da boca do ministro Luís
Roberto Barroso em direção ao seu colega Gilmar Mendes.
Para quem não sabe: por ordem da Constituição
Federal, ambos portam carteirinhas de “notório saber jurídico e ilibada
conduta”, senão não estariam vestindo toga de ministro.
Mas não pensem que o recinto para esse discurso
azedo, catilinário, foi o mictório do
Supremo Tribunal Federal onde, sem exigências de recato, as duas excelências se
encontravam por acaso, quando exibiam os respectivos pintos fora das cuecas.
Não. Nada disso. O xingamento, que mais parecia desenlace de casal mal adubado
em educação e respeito, ecoou no cenário feericamente iluminado do Supremo
Tribunal Federal. Lá suas excelências estavam reunidas, para mostrar toda a
sapiência de que são dotadas. Sim, lá, onde o luxo, a pompa e a cerimônia se
acomodam, a ponto de deixar pobre envergonhado, e onde pagens com uma capinha
pelos ombros ganham uma grana alta para ajeitar as togas e os bumbuns dos
ministros nas poltronas, lá foi recitado
o discurso que deixou Gilmar Mendes com uma cara de quem andou tomando drinques
no inferno.
Ora, se “a mistura do mal com atraso e pitadas de
psicopatia”, no dizer do notório saber jurídico de Luís Roberto Barroso, se
aninham na personalidade de um ministro do Supremo Tribunal Federal, e mesmo
assim ele foi dado como de “conduta ilibada” pelos senadores, então tudo é
permitido conjecturar a respeito das figuras de toga.
Foi desse venenoso diagnóstico que brotou a figura do
juiz Pardenúncio Fogoso, no romance “Memórias de um Gaiteiro de Cabaré”.
Sujeito de dupla personalidade, que disfarçava seu lado podre debaixo da
hipocrisia, o personagem induz à leitura
daquilo que não está escrito, porque os fatos são sempre mais convincentes do
que os argumentos. Não são os adjetivos, mas sim a realidade que desnuda as
misérias humanas.
Enquanto mórbidos desejos de vingança transpiram de
prisões sem o devido processo legal, corruptos se tornam imaculados mediante o
sacramento das leis processuais. Cenários desse gênero são próprios para
inspirar a criação de personagens como o juiz do romance. Em se tratando de
ficção, Justiça é sempre um ótimo enredo.
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