quarta-feira, 23 de março de 2022

 

UMA FICÇÃO CHAMADA JUSTIÇA

A figura ridícula do Juiz de Direito, doutor Pardenúncio Fogoso, no romance “Memórias de um Gaiteiro de Cabaré”, vem a propósito da contemporaneidade na qual quis o autor desenvolver o enredo. Aquele sujeitinho, sempre mal na foto, representa um tema que está na boca de todos os brasileiros, de um tempo a esta parte.

“Me deixa de fora desse seu mau sentimento. Você é uma pessoa horrível. Uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia. Qual é sua ideia? Qual é sua proposta? Nenhuma! É bílis, ódio, mau sentimento, mal secreto, uma coisa horrível. V. Exa. nos envergonha, V. Exa é uma desonra para o tribunal. Uma desonra para todos nós. É péssimo isso. V. Exa. sozinho desmoraliza o Tribunal. É muito penoso para todos nós termos que conviver com V. Exa. aqui. Uma vergonha,um constrangimento”.

Segundo o site www.migalhas.com.br/quentes/276801, essas foram palavras saídas da boca do ministro Luís Roberto Barroso em direção ao seu colega Gilmar Mendes.

Para quem não sabe: por ordem da Constituição Federal, ambos portam carteirinhas de “notório saber jurídico e ilibada conduta”, senão não estariam vestindo toga de ministro.

Mas não pensem que o recinto para esse discurso azedo, catilinário,  foi o mictório do Supremo Tribunal Federal onde, sem exigências de recato, as duas excelências se encontravam por acaso, quando exibiam os respectivos pintos fora das cuecas. Não. Nada disso. O xingamento, que mais parecia desenlace de casal mal adubado em educação e respeito, ecoou no cenário feericamente iluminado do Supremo Tribunal Federal. Lá suas excelências estavam reunidas, para mostrar toda a sapiência de que são dotadas. Sim, lá, onde o luxo, a pompa e a cerimônia se acomodam, a ponto de deixar pobre envergonhado, e onde pagens com uma capinha pelos ombros ganham uma grana alta para ajeitar as togas e os bumbuns dos ministros nas poltronas,  lá foi recitado o discurso que deixou Gilmar Mendes com uma cara de quem andou tomando drinques no inferno.

Ora, se “a mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia”, no dizer do notório saber jurídico de Luís Roberto Barroso, se aninham na personalidade de um ministro do Supremo Tribunal Federal, e mesmo assim ele foi dado como de “conduta ilibada” pelos senadores, então tudo é permitido conjecturar a respeito das figuras de toga.

Foi desse venenoso diagnóstico que brotou a figura do juiz Pardenúncio Fogoso, no romance “Memórias de um Gaiteiro de Cabaré”. Sujeito de dupla personalidade, que disfarçava seu lado podre debaixo da hipocrisia, o personagem induz  à leitura daquilo que não está escrito, porque os fatos são sempre mais convincentes do que os argumentos. Não são os adjetivos, mas sim a realidade que desnuda as misérias humanas.

Enquanto mórbidos desejos de vingança transpiram de prisões sem o devido processo legal, corruptos se tornam imaculados mediante o sacramento das leis processuais. Cenários desse gênero são próprios para inspirar a criação de personagens como o juiz do romance. Em se tratando de ficção, Justiça é sempre um ótimo enredo.

 

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