quarta-feira, 6 de abril de 2022

 

AS LEIS DA VIDA E DA MORTE

Poucos se dão conta disso: a vida é um canteiro de ilusões.

A criatura humana planta rosas e outras lindas flores para se encantar com suas maravilhas. Mas, a natureza faz outro jogo: por conta dela, dá vida às urtigas e a outros inços, que só causam danos, e estragam os encantos. Além disso, encurta a vida das flores, mas prolonga a das urtigas. As flores definham, as rosas se desfolham e morrem. Mas o inço, se não for eliminado, se multiplica.

Na vida acontece o mesmo. A gente planta e cultiva ilusões. Cultiva uma paixão, acreditando que ela se eternizará com a mesma intensidade e o mesmo enlevo do primeiro momento. Torce para um clube, acreditando que ele será sempre vencedor. Elege um candidato, achando que ele será sempre honesto. Mas, vem o destino com seus acasos, vem a natureza com suas leis, e as ilusões se esboroam. Enfim, as leis da vida se misturam com as leis da morte, e a gente nunca sabe quais delas nos serão destinadas, com aplicação imediata.

Seus olhos verdes, debaixo de uma cascata de cabelos dourados, eram mais claros do que qualquer luz. Sua presença ocupava todos os lugares, onde quer que ela estivesse, tão radiante era sua beleza.

Mas, longe de ser fútil, vulgar, luxuriosa, dessas que são transformadas em mercadoria e leiloadas nos BBBs da vida, sua beleza era de levar a um êxtase capaz de embriagar os sóbrios e desembriagar os bêbados; era capaz de levar ao sonho de nascer outra vez, sem defeitos, para tê-la sob os olhos até que a morte desse um fim em tudo.

E havia uma razão para que, diante dela os homens se sentissem menores, menos importantes, menos poderosos, mais humildes, mais submissos, despidos da crista de galo conquistador, responsável pela perpetuação da espécie: porque ela reunia dois caracteres quase antagônicos: beleza e humildade. Era um jeito diferente de ser: a beleza não lhe alimentava vaidade.

Naquela tarde, sua beleza estava esfolada por uma tristeza que a humildade não permitia esconder. Bela, mas triste, ela se apresentou no consultório, confessando uma constipação intestinal insuportável.

O exame de toque abdominal acusou necessidade de maiores investigações, incluindo a  abominável colonoscopia, que forneceu coleta de material para a terrível sentença: câncer de cólon. Desse mal, que  já registrava histórico na família, só uma cirurgia a poderia libertar.

Mas, a esperança de salvá-la arrefeceu, sob decepção e tristeza arrasadoras da equipe cirúrgica. Tomando todo o aparelho digestivo, o mal se tornara inextirpável. Aos médicos só restou a sutura.

Menos de quarenta dias depois, ela tornava ao hospital, agora dobrada sob o martírio das dores. Sedada, foi poupada da agonia torturante de deixar a vida. Assim a morte a levou.

Sua beleza e sua juventude de dezessete anos ficaram soterradas num cemitério ao fundo do campo, onde ela cavalgava feliz, e onde as boninas nascem e morrem, mas ressuscitam belas, sob as ordens de outras leis da vida e da morte.

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