AS
LEIS DA VIDA E DA MORTE
Poucos
se dão conta disso: a vida é um canteiro de ilusões.
A
criatura humana planta rosas e outras lindas flores para se encantar com suas maravilhas. Mas, a natureza
faz outro jogo: por conta dela, dá vida às urtigas e a outros inços, que só
causam danos, e estragam os encantos. Além disso, encurta a vida das flores,
mas prolonga a das urtigas. As flores definham, as rosas se desfolham e morrem.
Mas o inço, se não for eliminado, se multiplica.
Na
vida acontece o mesmo. A gente planta e cultiva ilusões. Cultiva uma paixão,
acreditando que ela se eternizará com a mesma intensidade e o mesmo enlevo do
primeiro momento. Torce para um clube, acreditando que ele será sempre
vencedor. Elege um candidato, achando que ele será sempre honesto. Mas, vem o
destino com seus acasos, vem a natureza com suas leis, e as ilusões se
esboroam. Enfim, as leis da vida se misturam com as leis da morte, e a gente
nunca sabe quais delas nos serão destinadas, com aplicação imediata.
Seus olhos verdes, debaixo de uma cascata de cabelos
dourados, eram mais claros do que qualquer luz. Sua presença ocupava todos os
lugares, onde quer que ela estivesse, tão radiante era sua beleza.
Mas, longe de ser fútil,
vulgar, luxuriosa, dessas que são transformadas em mercadoria e leiloadas nos
BBBs da vida, sua beleza era de levar a um êxtase capaz de embriagar os sóbrios
e desembriagar os bêbados; era capaz de levar ao sonho de nascer outra vez, sem
defeitos, para tê-la sob os olhos até que a morte desse um fim em tudo.
E havia uma razão para que, diante dela os homens se
sentissem menores, menos importantes, menos poderosos, mais humildes, mais
submissos, despidos da crista de galo conquistador, responsável pela
perpetuação da espécie: porque ela reunia dois caracteres quase antagônicos:
beleza e humildade. Era um jeito diferente de ser: a beleza não lhe alimentava
vaidade.
Naquela
tarde, sua beleza estava esfolada por uma tristeza que a humildade não permitia
esconder. Bela, mas triste, ela se apresentou no consultório, confessando uma
constipação intestinal insuportável.
O
exame de toque abdominal acusou necessidade de maiores investigações, incluindo
a abominável colonoscopia, que forneceu
coleta de material para a terrível sentença: câncer de cólon. Desse mal,
que já registrava histórico na família, só
uma cirurgia a poderia libertar.
Mas,
a esperança de salvá-la arrefeceu, sob decepção e tristeza arrasadoras da
equipe cirúrgica. Tomando todo o aparelho digestivo, o mal se tornara
inextirpável. Aos médicos só restou a sutura.
Menos
de quarenta dias depois, ela tornava ao hospital, agora dobrada sob o martírio
das dores. Sedada, foi poupada da agonia torturante de deixar a vida. Assim a morte
a levou.
Sua
beleza e sua juventude de dezessete anos ficaram soterradas num cemitério ao
fundo do campo, onde ela cavalgava feliz, e onde as boninas nascem e morrem,
mas ressuscitam belas, sob as ordens de outras leis da vida e da morte.
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