QUEM FISCALIZA O FISCAL?
“Essa não é uma questão isolada. A gente precisa
compreender qual o fluxo que está sendo estabelecido para o atendimento dessa
população e entender as razões para essas crianças não serem acolhidas”.
Entenderam? Captaram o sentido da expressão acima?
Não. Não se trata de água ou de problemas de ubres
dos quais não há fluxo de leite, mas, sim, de crianças. E a frase é obra de uma
agente do Ministério Público, a doutora Fernanda Riviera Czimmermann, uma
promotora de Justiça de São Paulo.
A questão é a seguinte: crianças e adolescentes sem
passado, sem presente e de futuro envolvido em núvens negras, entregues ao
deus- dará, ao destino, começaram a se abrigar no vão livre do prédio do Museu
de Artes de São Paulo.
Eles catam qualquer coisa no lixo, para comer ou para
vender, se postam nas sinaleiras, pedindo esmolas, se aproveitam do descuido ou
da velhice, que deixa as pessoas sem reflexo, para lhes arrebatar bolsas ou
sacolas, e usam aquele espaço nobre dos paulistas como moradia coletiva.
Agora, o Ministério Público resolveu cobrar
providências, e foi escalada para a missão a doutora Fernanda. Procurada pelo
Estadão ela soltou o verbo. “As crianças não podem ficar presas nesses centros.
Mas imagino que precisa ser feita uma ação não só do poder público, mas também
da sociedade” – afirma a promotora. E concluiu, com esse indecente superlativo:
“este é um problema muito crônico”.
A doutora enxergou mal. As crianças não estão estão
presas. Muito pelo contrário: estão soltas demais, sem pai, sem mãe, sem
disciplina, sem educação. Mas, por outro lado, estão exercendo um direito que
lhes é outorgado pelo inciso I, do artigo 16 do Estatuto da Criança e do
Adolescente: “ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários”.
E, se elas estão exercendo esse direito, não é à “sociedade” que compete
resolver o problema.
Mais: agentes públicos não podem simplesmente
“imaginar”. Eles precisam ter consciência do tamanho do seu dever. O Ministério
Público não é pago para ficar imaginando “que precisa ser feita uma ação”. Ele
deve agir de acordo com o figurino legal, no espaço que lhe é destinado pela
lei.
Na matéria do Estadão consta que “o Ministério
Público deu 15 dias para órgãos como a Secretaria Municipal de Assistência e
Desenvolvimento Social, o Conselho Tutelar da Bela Vista, a Polícia Militar do
Estado de São Paulo e a Guarda Civil Metropolitana informarem quais medidas de
proteção e cuidado estão sendo tomadas com o grupo”.
Se a doutora, representante do Ministério Público,
tivesse lido o artigo 95 do ECA, não precisaria ficar imaginando “que precisa
ser feita uma ação”, nem cobrar da polícia ações que a essa não competem e,
muito menos, botar a “sociedade” na lista dos responsáveis. Lá está escrito o que
cabe ao Ministério Público: fiscalizar as entidades governamentais e não
governamentais que têm por objetivo a prestação de assistência a crianças e
adolescentes.
Como ninguém fiscalizou o fiscal, a coisa chegou a
esse ponto...
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