quarta-feira, 13 de abril de 2022

 

QUEM FISCALIZA O FISCAL?

“Essa não é uma questão isolada. A gente precisa compreender qual o fluxo que está sendo estabelecido para o atendimento dessa população e entender as razões para essas crianças não serem acolhidas”.

Entenderam? Captaram o sentido da expressão acima?

Não. Não se trata de água ou de problemas de ubres dos quais não há fluxo de leite, mas, sim, de crianças. E a frase é obra de uma agente do Ministério Público, a doutora Fernanda Riviera Czimmermann, uma promotora de Justiça de São Paulo.

A questão é a seguinte: crianças e adolescentes sem passado, sem presente e de futuro envolvido em núvens negras, entregues ao deus- dará, ao destino, começaram a se abrigar no vão livre do prédio do Museu de Artes de São Paulo.

Eles catam qualquer coisa no lixo, para comer ou para vender, se postam nas sinaleiras, pedindo esmolas, se aproveitam do descuido ou da velhice, que deixa as pessoas sem reflexo, para lhes arrebatar bolsas ou sacolas, e usam aquele espaço nobre dos paulistas como moradia coletiva.

Agora, o Ministério Público resolveu cobrar providências, e foi escalada para a missão a doutora Fernanda. Procurada pelo Estadão ela soltou o verbo. “As crianças não podem ficar presas nesses centros. Mas imagino que precisa ser feita uma ação não só do poder público, mas também da sociedade” – afirma a promotora. E concluiu, com esse indecente superlativo: “este é um problema muito crônico”.

A doutora enxergou mal. As crianças não estão estão presas. Muito pelo contrário: estão soltas demais, sem pai, sem mãe, sem disciplina, sem educação. Mas, por outro lado, estão exercendo um direito que lhes é outorgado pelo inciso I, do artigo 16 do Estatuto da Criança e do Adolescente: “ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários”. E, se elas estão exercendo esse direito, não é à “sociedade” que compete resolver o problema.

Mais: agentes públicos não podem simplesmente “imaginar”. Eles precisam ter consciência do tamanho do seu dever. O Ministério Público não é pago para ficar imaginando “que precisa ser feita uma ação”. Ele deve agir de acordo com o figurino legal, no espaço que lhe é destinado pela lei.

Na matéria do Estadão consta que “o Ministério Público deu 15 dias para órgãos como a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, o Conselho Tutelar da Bela Vista, a Polícia Militar do Estado de São Paulo e a Guarda Civil Metropolitana informarem quais medidas de proteção e cuidado estão sendo tomadas com o grupo”.

Se a doutora, representante do Ministério Público, tivesse lido o artigo 95 do ECA, não precisaria ficar imaginando “que precisa ser feita uma ação”, nem cobrar da polícia ações que a essa não competem e, muito menos, botar a “sociedade” na lista dos responsáveis. Lá está escrito o que cabe ao Ministério Público: fiscalizar as entidades governamentais e não governamentais que têm por objetivo a prestação de assistência a crianças e adolescentes.

Como ninguém fiscalizou o fiscal, a coisa chegou a esse ponto...

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