A
graça concedida pelo Presidente da República ao deputado Daniel Silveira, como
não podia deixar de ser, produziu efeito bombástico nos meios jurídicos. E os
primeiros a se manifestar foram os do contra. Os principais argumentos brandem
a Súmula 631 do STF, que manteria, mesmo com o indulto individual, a perda dos
direitos políticos do referido deputado.
O
Código Penal, no art. 107, inciso III, estabelece que se extingue a
punibilidade “pela anisitia, graça ou indulto”. Simplesmente e apenas isso diz
a lei.
Mas, o
STF restringiu a aplicação da lei, enunciando na súmula 631: “o indulto
extingue os efeitos primários da condenação (pretensão executória) mas não
extingue os efeitos secundários, penais ou extra-penais”.
Os ministros
legislaram, dizendo o que a lei não diz. Cavaram um buraco na lei, para dele
extrair a “semipunibilidade”.
Quem
conhece o Direito sabe que o guarnecem princípios seculares, dogmas intocáveis, que integram o ordenamento
jurídico de países comprometidos com a democracia: a literalidade, a vedação da
analogia e da interpretação extensiva, quando prejudicial ao réu.
Então,
das duas uma: ou os ministros que editaram aquela súmula, há quase vinte anos,
não conheciam esses princípios do Direito, ou simplesmente deram as costas para
eles, como se o poder os autorizasse a fazer da lei o que bem entendessem.
Afasta-se a suposição de
desconhecimento do vernáculo, embora
alguns dicionários, os mais pobres - diga-se de passagem – não registrem a
palavra “punibilidade”. E pela cabeça de ninguém passará a suposição de que a
súmula foi a resposta de egos esfolados por insultos do réu ou de seu advogado.
“Punibilidade”
é a condição, a qualidade imanente ao que é punível. O adjetivo aqui é
importante, para salientar que o punível não existe sem punibilidade. Ou seja,
se não existe a punibilidade, o ato ou o fato punível também não existe.
Extinguir
significa dar um fim: eliminar, abolir, acabar, ceifar. Então, extinguir a
punibilidade significa terminar com ela, anulá-la, dar-lhe fim. E se a
punibilidade deixa de existir, o que é punível perdendo sua condição imanente,
deixa de ser punível.
Essa é
a única interpretação cabível do inciso III do artigo 107 do Código Penal, à
luz dos princípios basilares do Direito Penal. Quer dizer, não é necessário
recorrer a nenhum outro meio, em busca do sentido para o referido dispositivo
legal. Ele é claro, imune a subterfúgios e obscuridades. E a primeira e
fundamental regra de interpretação do Direito Penal é a literalidade. Se a lei
é suficientemente clara, o juiz tem tudo para decidir, valendo-se
exclusivamente do vernáculo.
No
caso do artigo 107 do Código Penal, nem no texto original, o Decreto-lei 2848,
de 7 de dezembro de 1940, nem na redação dada pela Lei 7.209 de 11 de julho de
1984, deixou o legislador qualquer dúvida, qualquer espaço em branco, que exija
interpretação judicial complementar. A letra da lei esgota o sentido do que
nela está escrito. Sua linguagem é clara. E a graça que ela proporciona só
desaparece nas más línguas.
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