PISANDO
NA BOLA
Os
efeitos da mentira não diferem dos efeitos da ocultação da verdade. As fontes
de uns e de outros é que são distintas. A mentira é produzida pela má intenção,
pela finalidade definida e propositada de enganar alguém. Já a ocultação da
verdade não passa de um modo de fingir ignorância. Mas ambas carregam armaduras
frágeis e nenhuma escapa àquele sábio ditado das vovós de antigamente: “a
mentira tem pernas curtas”.
Na secção
denominada “Política”, o jornal Zero Hora, numa das edições da semana passada, informa
que “dois documentos de teor semelhante circulam no mundo virtual, com a assinatura
de milhares de pessoas representativas do que se poderia chamar de PIB
econômico e intelectual do Brasil”. Sobre o conteúdo dos referidos documentos diz
que “na essência defendem os mesmos valores: a democracia, o sistema eleitoral
e as instituições da República”. E revela quem são os signatários:
“empresários, banqueiros, artistas, ex-ministros, ex-presidentes do Banco Central,
profissionais liberais”.
O júbilo
pela referida manifestação escapa numa expressão de louvor: “o manifesto gestado
pelos empresários e que já tem mais de 6 mil assinaturas é um primor de
concisão”. Para ilustrar o encômio, transcreve o texto, que qualifica como “o recado mais contundente”. Ali dizem
os signatários que “o princípio chave de uma democracia saudável é a realização
de eleições e a aceitação de seus resultados por todos os envolvidos”. Segue-se
a recitação de um credo na “Justiça Eleitoral brasileira” e “no sistema de
votação eletrônico”.
Nada
disso surpreende, quando se sabe quem são os signatários dessa manifestação
política. São órfãos do governo Lula que, desmamados das tetas da República,
evidentemente, não poderiam ficar calados em vésperas de uma eleição que lhes
pode permitir mamar deitados outra vez. O que surpreende é a chamada do jornal
para o texto. “PIB entendeu: democracia
corre perigo” é o título da matéria.
Ora, os interessados
por economia colherão nesse título a
ideia de que o PIB brasileiro está a desandar, graças ao desmonte da
democracia. E a própria autora da texto não permite que se afaste essa ideia,
perguntando: “quem haverá de querer investir no Brasil se houver risco de um
golpe de Estado, disfarçado ou explícito?”
Mas, as
vovós antigas sempre estarão cobertas de razão. Acontece que o jornal pisou na
bola não só quando se desmanchou em elogios sobre uma capenga manifestação, cujos
signatários conseguem a proeza de pespegar na democracia um fantasioso adjetivo:
“saudável”. Ora, o substantivo “democracia” só comporta dois adjetivos: direta
ou indireta. Suscetíveis de julgamentos, avaliações e qualificações são os
governos ou a convivência social, mas não o sistema. Esse poroso conceito de
“democracia”, reduzido à “realização de eleições” e despido de um atributo de
natureza axiológica, que é a
irresignação dos vencidos, revela um baixo índice do “PIB intelectual”.
O
desastre maior do texto jornalístico, porém, não foi esse, mas as “pernas
curtas” da notícia, desmoralizada pela manchete do mesmo jornal, algumas páginas adiante: “FMI
eleva projeção para o PIB do Brasil de 0,8 % para 1,7%”.
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