terça-feira, 2 de agosto de 2022

 

PISANDO NA BOLA

Os efeitos da mentira não diferem dos efeitos da ocultação da verdade. As fontes de uns e de outros é que são distintas. A mentira é produzida pela má intenção, pela finalidade definida e propositada de enganar alguém. Já a ocultação da verdade não passa de um modo de fingir ignorância. Mas ambas carregam armaduras frágeis e nenhuma escapa àquele sábio ditado das vovós de antigamente: “a mentira tem pernas curtas”.

Na secção denominada “Política”, o jornal Zero Hora, numa das edições da semana passada, informa que “dois documentos de teor semelhante circulam no mundo virtual, com a assinatura de milhares de pessoas representativas do que se poderia chamar de PIB econômico e intelectual do Brasil”. Sobre o conteúdo dos referidos documentos diz que “na essência defendem os mesmos valores: a democracia, o sistema eleitoral e as instituições da República”. E revela quem são os signatários: “empresários, banqueiros, artistas, ex-ministros, ex-presidentes do Banco Central, profissionais liberais”.

O júbilo pela referida manifestação escapa numa expressão de louvor: “o manifesto gestado pelos empresários e que já tem mais de 6 mil assinaturas é um primor de concisão”. Para ilustrar o encômio, transcreve o texto, que qualifica  como “o recado mais contundente”. Ali dizem os signatários que “o princípio chave de uma democracia saudável é a realização de eleições e a aceitação de seus resultados por todos os envolvidos”. Segue-se a recitação de um credo na “Justiça Eleitoral brasileira” e “no sistema de votação eletrônico”.

Nada disso surpreende, quando se sabe quem são os signatários dessa manifestação política. São órfãos do governo Lula que, desmamados das tetas da República, evidentemente, não poderiam ficar calados em vésperas de uma eleição que lhes pode permitir mamar deitados outra vez. O que surpreende é a chamada do jornal para  o texto. “PIB entendeu: democracia corre perigo” é o título da matéria.

Ora, os interessados por economia  colherão nesse título a ideia de que o PIB brasileiro está a desandar, graças ao desmonte da democracia. E a própria autora da texto não permite que se afaste essa ideia, perguntando: “quem haverá de querer investir no Brasil se houver risco de um golpe de Estado, disfarçado ou explícito?”

Mas, as vovós antigas sempre estarão cobertas de razão. Acontece que o jornal pisou na bola não só quando se desmanchou em elogios sobre uma capenga manifestação, cujos signatários conseguem a proeza de pespegar   na democracia um fantasioso adjetivo: “saudável”. Ora, o substantivo “democracia” só comporta dois adjetivos: direta ou indireta. Suscetíveis de julgamentos, avaliações e qualificações são os governos ou a convivência social, mas não o sistema. Esse poroso conceito de “democracia”, reduzido à “realização de eleições” e despido de um atributo de natureza axiológica, que é  a irresignação dos vencidos, revela um baixo índice do “PIB intelectual”.

O desastre maior do texto jornalístico, porém, não foi esse, mas as “pernas curtas” da notícia, desmoralizada pela manchete  do mesmo jornal, algumas páginas adiante: “FMI eleva projeção para o PIB do Brasil de 0,8 % para 1,7%”.

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