quarta-feira, 29 de março de 2023

 

MORO E LULA

Lula teve educação intelectual deficiente, porque não completou sequer o ensino fundamental. E de muitas de suas atitudes e manifestações na vida pública, se depreende que sua educação social, pela pouca convivência na escola, é também deficiente. Mas, mesmo sem cultura, foi suficientemente inteligente para colher, do meio sindical onde viveu durante alguns anos, experiências que lhe ensinaram a desenvolver seus dotes de liderança. E mostrou que não foi em vão que a natureza o dotou com altíssima taxa de matreirice. Graças a ela, deixou a convivência sindical alimentada a gírias jocosas e palavrões agressivos, para ser tratado como Vossa Excelência.

Já Sérgio Moro é vinho de outra pipa. Antítese cultural e social de Luiz Inácio Lula da Silva, Moro, formado em Direito, venceu a renhida disputa para o cargo de juiz federal e registra, em seu currículo, curso na Universidade de Harvard, ao lado de outras referências culturais.

Se não foi obra dos deuses do acaso, foi por manobra de muitas circunstâncias que se colocou sob a jurisdição do juiz Sérgio Moro o julgamento de uma rede de corrupção política, envolvendo altos funcionários de confiança do governo e respeitáveis empresários. Prato de muito gosto público, a matéria foi adotada pela imprensa como pauta irrenunciável, e sobre ela começaram a transbordar notícias e comentários em todos os veículos de comunicação, diariamente. E isso serviu de andor, para que Sérgio Moro fosse nele conduzido, honrado e aclamado como herói.

Arrastado para dentro desse processo pela força de depoimentos de empresários e funcionários, o nome do Lula serviu como fermento para o bolo de todas as notícias atraentes nos meios de comunicação. Formou-se então o gigantesco duelo do bem contra o mal. Na arena das comunicações e da opinião pública, ao juiz Sérgio Moro coube o papel de herói e a Lula, o de vilão. E, para dotar o espetáculo com a emoção do suspense, os meios de comunicação colocaram nele, ao lado dos personagens principais, uma figura misteriosa, com ares sinistros atrás de óculos escuros, que fazia muita gente buscar o banheiro, só em pensar que em sua porta pudesse bater essa figura, com um mandado de prisão na mão: o japonês da Federal.

Dentro do espetáculo, firmou-se então o script que cabia a Sérgio Moro: se condenasse Lula, mereceria monumento de herói; se o absolvesse seria jogado no abismo do desprezo.

Por conta da famigerada delação premiada, jungida a circunstâncias e presunções, sem provas materiais, Lula foi condenado e preso. Estaria ainda na prisão, se não tivesse aparecido um juiz de nome Fachin que, dando nós no vernáculo e serpenteando por entre citações e jurisprudências, resolveu dar fim ao duelo, dando a Lula o direito de erguer o cetro como vencedor.

Hoje, com o poder na mão, Lula, recolocando em sua boca os palavrões do tempo de sindicalista, tripudia sobre Sérgio Moro, elegendo-o como algoz único, merecedor de vingança, esquecido de que foi condenado por dois tribunais.

Só não me perguntem onde foi parar o japonês da Federal...

 

quarta-feira, 22 de março de 2023

 

NEM JUÍZO, NEM TRIBUNAL DE EXCEÇÃO


Jurisconsultos metidos a escritor tascaram nela alguns apelidos: carta magna, lei maior. Nada disso. A Constituição é a lei fundamental, o alicerce jurídico sobre o qual se assenta a organização de um país. Ela difere das outras leis, não por ser grande, “magna”, nem “maior”. Tanto um como outro adjetivo só servem para dar tamanho a alguma coisa. O Código Civil, por exemplo, é bem maior do que a Constituição. Qualquer adjetivo que se pretenda encostar na Constituição deve ter em mira apenas a sua natureza, sem qualquer conotação de metáfora poética.

Talvez seja por isso que outros jurisconsultos, que nem talento para escritor têm, tratam a Constituição como uma lei igual às outras, seduzidos por adjetivos impróprios.

Com sua natureza de alicerce jurídico, a Constituição condiciona a edificação do sistema: toda e qualquer lei deve se ajustar aos fundamentos nela estabelecidos. Lei que não se adapta ao lineamento fixado pelo alicerce constitucional, não presta: é inconstitucional.

Diz o artigo 144 da Constituição: “a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos”. E, a seguir, enumera os órgãos aos quais compete esse dever do Estado: as polícias federal, rodoviária, ferroviária, militar, civil, e os bombeiros. Além disso, especifica a competência da polícia federal: “apurar infrações penais contra a ordem pública e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União”... atribuindo-lhe o status exclusivo de “polícia judiciária”.

No inciso XXXVII do artigo 5º, que assegura o exercício dos direitos fundamentais, a mesma Constituição estabelece: “não haverá juízo ou tribunal de exceção”.

Mas o art. 43 do Regimento Interno do STF chega na contramão: “ocorrendo infração à lei penal, na sede ou dependência do Tribunal, o Presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro Ministro”.

É irresistível a tentação de corrigir o vernáculo dos ministros que elaboraram o tal de Regimento. A ausência de sujeito para o verbo “envolver” e o emprego do demonstrativo “esta”, ao invés de “essa”, obrigam a ensinar como deveria ter sido redigido o texto, ruidosamente inconstitucional: “ocorrendo infração penal que envolva autoridade ou pessoa sujeita à jurisdição do Tribunal, o Presidente instaurará inquérito, ou delegará essa atribuição a outro Ministro”.

Considerando-se que os protestos e depredações do dia 8 de janeiro comprometeram “a ordem pública e social, bens, serviços e interesses da União”... de quem é a competência, segundo o art. 144 do CF, para “apurar as infrações penais” caracterizadas nesses atos?

Se a Constituição é taxativa no art. 5º, inc. XXXVII, assegurando que não haverá juízo, nem Tribunal de exceção, em que idioma foi o STF foi buscar autoridade para agredir o vernáculo no artigo 43 do seu RI e, com base nele, se ocupar com funções exclusivas da “polícia judiciária”?

Só quem sabe, sabe: sem o domínio do vernáculo, fica empobrecida a capacidade de interpretação.

domingo, 12 de março de 2023

 

A VOLTA PARA CIMA DO MURO


Na edição de 19 de fevereiro último, o editorial do Estadão, intitulado “A defesa da democracia dentro da lei” criticava “o modo como foram realizadas as audiências de custódia relativas aos atos de 8 de janeiro”. “A decisão sobre a necessidade de manter a prisão não foi tomada pelo magistrado que fez a audiência e teve contato com o preso. Prisão exige sempre avaliar as circunstâncias concretas de cada pessoa”- dizia o jornal.

A crítica respingou acerbamente no Supremo Tribunal Federal, desatando surpresa nos leitores, pela mudança da linha editorial do Estadão, que até então não tinha ido tão longe, com relação ao órgão supremo do Poder Judiciário.

Exatamente uma semana depois, o melhor colunista daquele jornal, José Roberto Guzzo, publicava a crônica “Isso é democracia?”. Ali, com seu estilo elegantemente demolidor, em que cada palavra soa como um fio cortante, diz ele: “a prisão de mais de 900 cidadãos numa penitenciária em Brasília, sob a acusação de terem participado da invasão e depredação dos edifícios dos três Poderes, é uma vergonha nacional. Nunca houve na história da República prisões políticas em massa como as do dia 8 de janeiro, Nem o massacre da legalidade que está sendo cometido contra os acusados pela máquina oficial de repressão; só as ditaduras mais abjetas do mundo fazem coisas parecidas às que o Brasil faz hoje.”

Em edição posterior, veio o Estadão dizer que “o Brasil não está sob ditadura judicial”. Não há prisões políticas, nem ditadura do STF, como alegam bolsonaristas. Há lei no país, seja para corrigir eventuais erros processuais, seja para punir crimes praticados no 8 de janeiro”. Mas, antes de invocar o valor jurídico da lei, (“há lei no país”) ele arma a sua própria contradição, dizendo que “o devido processo legal e a imparcialidade dos juízes tornam-se prioridades”.

Na semana passada, o referido veículo de comunicação se abrigou em santa ira para invectivar a atitude de Alexandre de Moraes, que mandou soltar 149 presas, em homenagem ao “dia da mulher”. As mulheres tinham sido presas, sem direito a outras medidas provisórias, em razão de atos praticados no dia 8 de janeiro.

No momento em que um juiz solta mulheres por ocasião do 8 de março - diz o editorial - há a afirmação implícita de que ele tem discricionarieade sobre a liberdade daquelas pessoas. Assim, a prisão preventiva deixa de ser decorrência da aplicação da lei sobre as circunstâncias concretas de cada pessoa, para tornar-se um ato de vontade do magistrado: um ato discricionário. No Estado Democrático de Direito, não há prisões assim. Não há juízes com esse poder.”

Qual é a dialética de uma linha editorial que notícia “ato discricionário” incompatível com o “Estado Democrático de Direito”, mas nega a existência de “ditadura judicial”? Será o temor de represálias? Mas, só ditadores se vingam, guiados pelos próprios sentimentos, ao invés de se valerem dos ditames da lei e da ordem democrática. Então, se não há ditadura, nada há para temer...

segunda-feira, 6 de março de 2023

 

LEMBRANDO OS IRMÃOS GRIMM


O jornal ZH do último fim de semana transcreve artigo do presidente da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, intitulado “A Magistratura no Espelho”. A peça, mais propícia para interrogações do que para esclarecimentos sobre a atividade judiciária no Estado, deixa muito a desejar. Sua construção estilística não pode evitar impiedosa crítica da parte de quem faz do ofício de escrever uma atividade cotidiana. Começa o artigo dizendo que a referida entidade “buscou, a partir de bases científicas, conhecer a percepção da sociedade gaúcha sobre os magistrados e o Judiciário gaúchos...”

Buscou conhecer a percepção”... A palavra “percepção” tem vários significados, mas o mais usual deles é o que a define como a “tomada de consciência”, a faculdade de apreensão de alguma coisa, por meio dos sentidos ou da elaboração do pensamento. Em outras palavras, nessa acepção, a percepção é tida como sinônimo de “conhecimento”. Então, enroscada num pleonasmo de ferir ouvidos, se vislumbra a ideia de que a Ajuris “buscou conhecer o conhecimento”.

Outra coisa: a percepção, como faculdade de “tomar consciência”, está ligada às funções cerebrais, e só nesse sentido ela pode ser medida, nos seres humanos, “a partir de bases científicas”, e isso nas áreas de psiquiatria ou pscicologia. Mas, pelo visto, não foi o caso. A busca consistiu em “pesquisas qualitativa e quantitativa com a população, formadores de opinião e operadores do direito”, através das quais “ouvimos – diz o texto – em meados de 2022, 842 gaúchos em todos os quadrantes do Estado”. Desbastando-se, através de uma redação clara e objetiva, a ideia emaranhada no palavrório do artigo: a Ajuris realizou uma pesquisa, para aferir a opinião do povo “sobre os magistrados e o Judiciário gaúchos”.

Ao informar os resultados da pesquisa, diz o artigo: “na análise comparativa entre várias instituições, embora o Judiciário gaúcho tenha ficado com alto índice de confiança (71,4%), acima do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal, da Presidência da República, da Assembleia Legislativa e governo do Estado, ficou aquém da Defensoria Pública, da OAB, do Ministério Público, da Justiça do Trabalho e da Justiça Eleitoral”. Essa informação não deixa de coar o desencanto, pela revelação de que a Justiça gaúcha só é melhor do que os piores.

Por outro lado, esquecido de que a busca consistia em pesquisas “qualitativa e quantitativa” acerca dos magistrados e do “Judiciário gaúchos”, o autor do artigo incluiu com “gáudio”, o resultado de outra “análise comparativa”: o “apoio à democracia”.

O texto não diz a que empresa especializada nesse tipo de trabalho, foi confiada a pesquisa. Nem precisava. O verbo “ouvir”, na primeira pessoa do plural do indicativo presente (“ouvimos”), indica que o trabalho foi realizado pela própria Ajuris.

Mas, “A Magistratura no Espelho” pelo menos tem a virtude de nos ocupar com a lembrança de uma personagem da obra imortal dos irmãos Grimm: a Branca de Neve, cuja madrasta “pesquisava” no espelho a opinião sobre si mesma: “espelho, espelho meu, existe alguém mais bela do que eu”?


quinta-feira, 2 de março de 2023

 

A LINGUAGEM GRAMATICAL

Para escrever boa crônica não basta dispor de computador e coluna no jornal. Sem domínio do assunto a discorrer, se tornam difíceis uma generosa e generalizada aceitação por parte dos leitores e o gozo de agradecimentos ao mundo pela benfazeja acolhida. Principalmente hoje em dia: os raros leitores não são aqueles que passam o tempo todo com o dedo no celular, rabiscando palavras pela metade. Não. São pessoas que já trilharam longo curso no caminho da vida e são do tempo em que a escola distribuía os tesouros da educação e da cultura. Considerável parte delas se choca, diante de novos conceitos, colidentes com sua formação.

De uns tempos a essa parte, há jornais e jornalistas que se entregam à missão de propagar a igualdade daquilo que eles denominam “gênero”. É uma ideia nova, que muitos governos querem impor goela abaixo do povo e, para isso, contam com os propagandistas dela. Mas, pelo que se constata, ainda não apareceu alguém com bagagem cultural carregada de argumentos convincentes, capazes de lhe proporcionar êxito nesse processo.

Criticado por ter usado os termos “todos e todas”, o jornalista Nilson Souza, da Zero Hora, saiu a campo para defender sua posição, em crônica intitulada “O Sexo das Palavras”. E já começou mal, porque palavras não têm “sexo”. As palavras são identificadas por um termo gramatical, denominado “gênero”, submetido a regras. Essas compreendem as flexões incidentes sobre os substantivos, os adjetivos e os pronomes.

Não é preciso recorrer a dicionários para se saber que o vocábulo “gênero” tem várias significados. Entre esses, o biológico e o gramatical. Aquele, leva em conta os órgãos genitais; esse, como regra gramatical, não se restringe às designações de macho e fêmea.

No conteúdo, a crônica se escora em falsa premissa, dizendo: “o que decidirá essa contenda, que já chegou até mesmo ao Supremo Tribunal Federal, é exatamente o uso. Como ensinam os mais respeitados mestres da linguagem, quando você usa uma palavra nova ela passa a existir. Quando muitos usam, ela passa a integrar o idioma. A própria Academia Brasileira de Letras publica no seu site... uma sessão semanal chamada Novas Palavras para registrar termos ou expressões que passam a ter uso corrente na Língua Portuguesa, podendo ser um neologismo, um empréstimo linguístico...ou mesmo algum vocábulo antigo que voltou com novo sentido”.

O cronista confundiu “uso de linguagem” com regras gramaticais. Novos vocábulos se integram ao idioma, sim. Mas as regras gramaticais não têm validade condicionada ao uso. O vocábulo “todos”, como pronome ou adjetivo, está preso à norma gramatical que lhe confere ambivalência para a designação do gênero. Só abalizados gramáticos terão autoridade para modificar essa regra, e não o povo. À Justiça incumbe tão somente o exame da competência para legislar sobre educação. Tratando-se de linguagem, o STF não pode sair daquele cercadinho, onde só se pratica o dialeto “enrolês”.

Regras gramaticais existem para unificar, oficialmente, o idioma de um povo. Sem elas, seria impossível a convivência universal: viveríamos numa imensa Torre de Babel.