A VOLTA PARA CIMA DO MURO
Na edição de 19 de fevereiro último, o editorial do Estadão, intitulado “A defesa da democracia dentro da lei” criticava “o modo como foram realizadas as audiências de custódia relativas aos atos de 8 de janeiro”. “A decisão sobre a necessidade de manter a prisão não foi tomada pelo magistrado que fez a audiência e teve contato com o preso. Prisão exige sempre avaliar as circunstâncias concretas de cada pessoa”- dizia o jornal.
A crítica respingou acerbamente no Supremo Tribunal Federal, desatando surpresa nos leitores, pela mudança da linha editorial do Estadão, que até então não tinha ido tão longe, com relação ao órgão supremo do Poder Judiciário.
Exatamente uma semana depois, o melhor colunista daquele jornal, José Roberto Guzzo, publicava a crônica “Isso é democracia?”. Ali, com seu estilo elegantemente demolidor, em que cada palavra soa como um fio cortante, diz ele: “a prisão de mais de 900 cidadãos numa penitenciária em Brasília, sob a acusação de terem participado da invasão e depredação dos edifícios dos três Poderes, é uma vergonha nacional. Nunca houve na história da República prisões políticas em massa como as do dia 8 de janeiro, Nem o massacre da legalidade que está sendo cometido contra os acusados pela máquina oficial de repressão; só as ditaduras mais abjetas do mundo fazem coisas parecidas às que o Brasil faz hoje.”
Em edição posterior, veio o Estadão dizer que “o Brasil não está sob ditadura judicial”. Não há prisões políticas, nem ditadura do STF, como alegam bolsonaristas. Há lei no país, seja para corrigir eventuais erros processuais, seja para punir crimes praticados no 8 de janeiro”. Mas, antes de invocar o valor jurídico da lei, (“há lei no país”) ele arma a sua própria contradição, dizendo que “o devido processo legal e a imparcialidade dos juízes tornam-se prioridades”.
Na semana passada, o referido veículo de comunicação se abrigou em santa ira para invectivar a atitude de Alexandre de Moraes, que mandou soltar 149 presas, em homenagem ao “dia da mulher”. As mulheres tinham sido presas, sem direito a outras medidas provisórias, em razão de atos praticados no dia 8 de janeiro.
“No momento em que um juiz solta mulheres por ocasião do 8 de março - diz o editorial - há a afirmação implícita de que ele tem discricionarieade sobre a liberdade daquelas pessoas. Assim, a prisão preventiva deixa de ser decorrência da aplicação da lei sobre as circunstâncias concretas de cada pessoa, para tornar-se um ato de vontade do magistrado: um ato discricionário. No Estado Democrático de Direito, não há prisões assim. Não há juízes com esse poder.”
Qual é a dialética de uma linha editorial que notícia “ato discricionário” incompatível com o “Estado Democrático de Direito”, mas nega a existência de “ditadura judicial”? Será o temor de represálias? Mas, só ditadores se vingam, guiados pelos próprios sentimentos, ao invés de se valerem dos ditames da lei e da ordem democrática. Então, se não há ditadura, nada há para temer...
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