LEMBRANDO OS IRMÃOS GRIMM
O jornal ZH do último fim de semana transcreve artigo do presidente da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, intitulado “A Magistratura no Espelho”. A peça, mais propícia para interrogações do que para esclarecimentos sobre a atividade judiciária no Estado, deixa muito a desejar. Sua construção estilística não pode evitar impiedosa crítica da parte de quem faz do ofício de escrever uma atividade cotidiana. Começa o artigo dizendo que a referida entidade “buscou, a partir de bases científicas, conhecer a percepção da sociedade gaúcha sobre os magistrados e o Judiciário gaúchos...”
“Buscou conhecer a percepção”... A palavra “percepção” tem vários significados, mas o mais usual deles é o que a define como a “tomada de consciência”, a faculdade de apreensão de alguma coisa, por meio dos sentidos ou da elaboração do pensamento. Em outras palavras, nessa acepção, a percepção é tida como sinônimo de “conhecimento”. Então, enroscada num pleonasmo de ferir ouvidos, se vislumbra a ideia de que a Ajuris “buscou conhecer o conhecimento”.
Outra coisa: a percepção, como faculdade de “tomar consciência”, está ligada às funções cerebrais, e só nesse sentido ela pode ser medida, nos seres humanos, “a partir de bases científicas”, e isso nas áreas de psiquiatria ou pscicologia. Mas, pelo visto, não foi o caso. A busca consistiu em “pesquisas qualitativa e quantitativa com a população, formadores de opinião e operadores do direito”, através das quais “ouvimos – diz o texto – em meados de 2022, 842 gaúchos em todos os quadrantes do Estado”. Desbastando-se, através de uma redação clara e objetiva, a ideia emaranhada no palavrório do artigo: a Ajuris realizou uma pesquisa, para aferir a opinião do povo “sobre os magistrados e o Judiciário gaúchos”.
Ao informar os resultados da pesquisa, diz o artigo: “na análise comparativa entre várias instituições, embora o Judiciário gaúcho tenha ficado com alto índice de confiança (71,4%), acima do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal, da Presidência da República, da Assembleia Legislativa e governo do Estado, ficou aquém da Defensoria Pública, da OAB, do Ministério Público, da Justiça do Trabalho e da Justiça Eleitoral”. Essa informação não deixa de coar o desencanto, pela revelação de que a Justiça gaúcha só é melhor do que os piores.
Por outro lado, esquecido de que a busca consistia em pesquisas “qualitativa e quantitativa” acerca dos magistrados e do “Judiciário gaúchos”, o autor do artigo incluiu com “gáudio”, o resultado de outra “análise comparativa”: o “apoio à democracia”.
O texto não diz a que empresa especializada nesse tipo de trabalho, foi confiada a pesquisa. Nem precisava. O verbo “ouvir”, na primeira pessoa do plural do indicativo presente (“ouvimos”), indica que o trabalho foi realizado pela própria Ajuris.
Mas, “A Magistratura no Espelho” pelo menos tem a virtude de nos ocupar com a lembrança de uma personagem da obra imortal dos irmãos Grimm: a Branca de Neve, cuja madrasta “pesquisava” no espelho a opinião sobre si mesma: “espelho, espelho meu, existe alguém mais bela do que eu”?
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