quinta-feira, 2 de março de 2023

 

A LINGUAGEM GRAMATICAL

Para escrever boa crônica não basta dispor de computador e coluna no jornal. Sem domínio do assunto a discorrer, se tornam difíceis uma generosa e generalizada aceitação por parte dos leitores e o gozo de agradecimentos ao mundo pela benfazeja acolhida. Principalmente hoje em dia: os raros leitores não são aqueles que passam o tempo todo com o dedo no celular, rabiscando palavras pela metade. Não. São pessoas que já trilharam longo curso no caminho da vida e são do tempo em que a escola distribuía os tesouros da educação e da cultura. Considerável parte delas se choca, diante de novos conceitos, colidentes com sua formação.

De uns tempos a essa parte, há jornais e jornalistas que se entregam à missão de propagar a igualdade daquilo que eles denominam “gênero”. É uma ideia nova, que muitos governos querem impor goela abaixo do povo e, para isso, contam com os propagandistas dela. Mas, pelo que se constata, ainda não apareceu alguém com bagagem cultural carregada de argumentos convincentes, capazes de lhe proporcionar êxito nesse processo.

Criticado por ter usado os termos “todos e todas”, o jornalista Nilson Souza, da Zero Hora, saiu a campo para defender sua posição, em crônica intitulada “O Sexo das Palavras”. E já começou mal, porque palavras não têm “sexo”. As palavras são identificadas por um termo gramatical, denominado “gênero”, submetido a regras. Essas compreendem as flexões incidentes sobre os substantivos, os adjetivos e os pronomes.

Não é preciso recorrer a dicionários para se saber que o vocábulo “gênero” tem várias significados. Entre esses, o biológico e o gramatical. Aquele, leva em conta os órgãos genitais; esse, como regra gramatical, não se restringe às designações de macho e fêmea.

No conteúdo, a crônica se escora em falsa premissa, dizendo: “o que decidirá essa contenda, que já chegou até mesmo ao Supremo Tribunal Federal, é exatamente o uso. Como ensinam os mais respeitados mestres da linguagem, quando você usa uma palavra nova ela passa a existir. Quando muitos usam, ela passa a integrar o idioma. A própria Academia Brasileira de Letras publica no seu site... uma sessão semanal chamada Novas Palavras para registrar termos ou expressões que passam a ter uso corrente na Língua Portuguesa, podendo ser um neologismo, um empréstimo linguístico...ou mesmo algum vocábulo antigo que voltou com novo sentido”.

O cronista confundiu “uso de linguagem” com regras gramaticais. Novos vocábulos se integram ao idioma, sim. Mas as regras gramaticais não têm validade condicionada ao uso. O vocábulo “todos”, como pronome ou adjetivo, está preso à norma gramatical que lhe confere ambivalência para a designação do gênero. Só abalizados gramáticos terão autoridade para modificar essa regra, e não o povo. À Justiça incumbe tão somente o exame da competência para legislar sobre educação. Tratando-se de linguagem, o STF não pode sair daquele cercadinho, onde só se pratica o dialeto “enrolês”.

Regras gramaticais existem para unificar, oficialmente, o idioma de um povo. Sem elas, seria impossível a convivência universal: viveríamos numa imensa Torre de Babel.



Nenhum comentário: