quarta-feira, 22 de março de 2023

 

NEM JUÍZO, NEM TRIBUNAL DE EXCEÇÃO


Jurisconsultos metidos a escritor tascaram nela alguns apelidos: carta magna, lei maior. Nada disso. A Constituição é a lei fundamental, o alicerce jurídico sobre o qual se assenta a organização de um país. Ela difere das outras leis, não por ser grande, “magna”, nem “maior”. Tanto um como outro adjetivo só servem para dar tamanho a alguma coisa. O Código Civil, por exemplo, é bem maior do que a Constituição. Qualquer adjetivo que se pretenda encostar na Constituição deve ter em mira apenas a sua natureza, sem qualquer conotação de metáfora poética.

Talvez seja por isso que outros jurisconsultos, que nem talento para escritor têm, tratam a Constituição como uma lei igual às outras, seduzidos por adjetivos impróprios.

Com sua natureza de alicerce jurídico, a Constituição condiciona a edificação do sistema: toda e qualquer lei deve se ajustar aos fundamentos nela estabelecidos. Lei que não se adapta ao lineamento fixado pelo alicerce constitucional, não presta: é inconstitucional.

Diz o artigo 144 da Constituição: “a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos”. E, a seguir, enumera os órgãos aos quais compete esse dever do Estado: as polícias federal, rodoviária, ferroviária, militar, civil, e os bombeiros. Além disso, especifica a competência da polícia federal: “apurar infrações penais contra a ordem pública e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União”... atribuindo-lhe o status exclusivo de “polícia judiciária”.

No inciso XXXVII do artigo 5º, que assegura o exercício dos direitos fundamentais, a mesma Constituição estabelece: “não haverá juízo ou tribunal de exceção”.

Mas o art. 43 do Regimento Interno do STF chega na contramão: “ocorrendo infração à lei penal, na sede ou dependência do Tribunal, o Presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro Ministro”.

É irresistível a tentação de corrigir o vernáculo dos ministros que elaboraram o tal de Regimento. A ausência de sujeito para o verbo “envolver” e o emprego do demonstrativo “esta”, ao invés de “essa”, obrigam a ensinar como deveria ter sido redigido o texto, ruidosamente inconstitucional: “ocorrendo infração penal que envolva autoridade ou pessoa sujeita à jurisdição do Tribunal, o Presidente instaurará inquérito, ou delegará essa atribuição a outro Ministro”.

Considerando-se que os protestos e depredações do dia 8 de janeiro comprometeram “a ordem pública e social, bens, serviços e interesses da União”... de quem é a competência, segundo o art. 144 do CF, para “apurar as infrações penais” caracterizadas nesses atos?

Se a Constituição é taxativa no art. 5º, inc. XXXVII, assegurando que não haverá juízo, nem Tribunal de exceção, em que idioma foi o STF foi buscar autoridade para agredir o vernáculo no artigo 43 do seu RI e, com base nele, se ocupar com funções exclusivas da “polícia judiciária”?

Só quem sabe, sabe: sem o domínio do vernáculo, fica empobrecida a capacidade de interpretação.

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