sexta-feira, 26 de outubro de 2018


QUANDO O VERNÁCULO APANHA DA LEI
João Eichbaum

Letrada em temas prosaicos como férias, décimo terceiro, justa causa e quejandos, a senhora Rosa Weber agora está metida no mato sem cachorro do Direito Eleitoral. Pressionada pela imprensa, reuniu ministros e outras autoridades da república, para falar sobre as notícias falsas - que os papagaios de piratas americanos preferem chamar de “fake news”.

Ela começou catando palavras para o discurso: “entendemos que não houve falha alguma da Justiça Eleitoral no que tange a isso que se chama de fake News...” Mas, acabou resvalando num lapso de dialética: “gostaríamos de ter uma solução pronta e eficaz, mas de fato não temos. Se tiverem a solução, por favor, nos apresentem. Ainda não descobrimos o milagre”.

Quer dizer: sobrou esforço, mas faltou talento. Se lhe acudisse alguma intimidade com a questão, a ministra teria ao menos uma “pronta” explicação para a imprensa. Afinal, se o voto é secreto, só mesmo por milagre se poderá aquilatar a extensão, a qualidade, e o peso de uma notícia falsa “perante” milhões de pessoas.

Já o ministro da Segurança, uma das autoridades presentes à reunião, ameaçou com investigações da polícia federal “aqueles que têm a má intenção de cometer crimes contra a higidez e a credibilidade do sistema eleitoral com notícias falsas...”

Ninguém avisou o ministro que “má intenção” não é crime. A lei não é como os dez mandamentos, que punem pensamentos, palavras e obras. E outra: “má intenção de cometer crimes”? Quem é que comete crime com “boa intenção”, hein, senhor ministro?

Contagia e é responsável por meter suas excelências em tais apuros a pobreza do vernáculo do legislador, na redação do art. 323 do Código Eleitoral. Eis seu enunciado: “divulgar, na propaganda, fatos que sabe inverídicos, em relação a partidos ou candidatos e capazes de exercerem influência perante o eleitorado”.

Entre outras barbaridades, o mau uso da preposição choca a quem conhece o idioma. Não se exerce influência “perante”, mas sobre alguém. O verbo influir, estruturado pelo sufixo “in”, tem o sentido de fluir “para dentro”. Por isso exige a preposição “sobre”, que arrasta consigo o peso, a pressão, a carga que opera a influência.

 O vernáculo maltratado só serve como certificado do baixo nível da cultura. A ação que o legislador garatuja, no referido art. 323, pretendendo definir um crime, jamais se materializará como conduta penal. A menos que o réu tenha a desgraça de ser julgado por analfabetos funcionais. Por que não? Pode acontecer que, no mar do notório saber jurídico, não sobrevivam peixinhos de aquário, como a regência verbal.




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