QUANDO O VERNÁCULO APANHA DA LEI
João Eichbaum
Letrada em temas
prosaicos como férias, décimo terceiro, justa causa e quejandos, a senhora Rosa
Weber agora está metida no mato sem cachorro do Direito Eleitoral. Pressionada
pela imprensa, reuniu ministros e outras autoridades da república, para falar
sobre as notícias falsas - que os papagaios de piratas americanos preferem
chamar de “fake news”.
Ela começou catando
palavras para o discurso: “entendemos que não houve falha alguma da Justiça
Eleitoral no que tange a isso que se chama de fake News...” Mas, acabou
resvalando num lapso de dialética: “gostaríamos de ter uma solução pronta e
eficaz, mas de fato não temos. Se tiverem a solução, por favor, nos apresentem.
Ainda não descobrimos o milagre”.
Quer dizer: sobrou
esforço, mas faltou talento. Se lhe acudisse alguma intimidade com a questão, a
ministra teria ao menos uma “pronta” explicação para a imprensa. Afinal, se o
voto é secreto, só mesmo por milagre se poderá aquilatar a extensão, a
qualidade, e o peso de uma notícia falsa “perante” milhões de pessoas.
Já o ministro da
Segurança, uma das autoridades presentes à reunião, ameaçou com investigações
da polícia federal “aqueles que têm a má intenção de cometer crimes contra a
higidez e a credibilidade do sistema eleitoral com notícias falsas...”
Ninguém avisou o ministro
que “má intenção” não é crime. A lei não é como os dez mandamentos, que punem
pensamentos, palavras e obras. E outra: “má intenção de cometer crimes”? Quem é
que comete crime com “boa intenção”, hein, senhor ministro?
Contagia e é responsável
por meter suas excelências em tais apuros a pobreza do vernáculo do legislador,
na redação do art. 323 do Código Eleitoral. Eis seu enunciado: “divulgar, na
propaganda, fatos que sabe inverídicos, em relação a partidos ou candidatos e
capazes de exercerem influência perante o eleitorado”.
Entre outras barbaridades,
o mau uso da preposição choca a quem conhece o idioma. Não se exerce influência
“perante”, mas sobre alguém.
O verbo influir, estruturado pelo sufixo “in”, tem o sentido de fluir “para
dentro”. Por isso exige a preposição “sobre”, que arrasta consigo o peso, a
pressão, a carga que opera a influência.
O vernáculo maltratado só serve como
certificado do baixo nível da cultura. A ação que o legislador garatuja, no
referido art. 323, pretendendo definir um crime, jamais se materializará como
conduta penal. A menos que o réu tenha a desgraça de ser julgado por
analfabetos funcionais. Por que não? Pode acontecer que, no mar do notório
saber jurídico, não sobrevivam peixinhos de aquário, como a regência verbal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário