sexta-feira, 23 de novembro de 2018


ARA San Juan

João Eichbaum

A tempestade os empurrou para a morte. Talvez a nenhum deles tivesse perturbado o pressentimento de que ia morrer no mar. Não seria um pensamento comum dentro daquela fortaleza de ferro, onde se encontravam. Contra ela não poderiam prevalecer as águas e os enigmas do mar.

Viajavam na direção de seu último drama, e não sabiam. Na mais remota das hipóteses de infortúnio, haveria barcos flutuantes e coletes salva-vidas para todos, além de sensores e câmeras mapeando o fundo, e seguras instruções a seguir, em caso de naufrágio.

Mas, os maus humores da natureza são, mais do que imprevisíveis, muitas vezes insuperáveis, fora do alcance da tecnologia. E assim foi: a fúria da tempestade, que transformava as ondas em gigantes ensandecidos, causou estragos no instrumento mais sensível da nave submarina. Na sua última comunicação com a terra, o comandante informava que o “snorkel”, avariado, permitira a entrada de água no sistema de ventilação. Atingidas, as baterias provocaram incêndio.

Três horas depois desse comunicado, seguiu-se uma explosão. E do ARA San Juan nada mais se soube, até a semana passada, quando foi localizado por fotos de prospecção robótica. Jaz num abismo de águas geladas, no mar da Patagônia, a mais de 900 metros de profundidade, aquele gigante de 2.200 toneladas.  A proa parece intacta, mas o casco achatado, com uma hélice encravada na rocha, mostra a violência do impacto.

A tragédia, certamente desencadeada pela despressurização da nave, pode ter deixado corpos preservados pela temperatura gélida e pela falta de oxigênio, em compartimentos não inundados pela água. Mas a profundidade é inacessível a seres humanos. Intransponíveis são as dificuldades para resgate.

Diante desse quadro desolador, não há indiferença que se sustente. É impossível sufocar angustiantes indagações. Eram 44 tripulantes. Como teriam sido seus últimos momentos? Sem ar, asfixiados? Teriam expirado inconscientes, com o cérebro danificado pela falta de oxigênio? Ou teriam sentido a presença ominosa da morte, castigando-os com torpe suplício, matando-lhes os sonhos e as esperanças, antes de arrastá-los para a eternidade de suas trevas?

Não tiveram a voz engasgada, quando tentaram um grito de socorro, que soaria inútil no vazio, no infinito, na rota surda e implacável do destino? Tiveram tempo de chorar? Tiveram tempo de pronunciar o nome de quem amavam, se despedindo em silêncio, se debatendo contra a agonia, vendo a vida se esvair no fundo do mar?


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