sexta-feira, 9 de agosto de 2019


O FEITOR GERAL DA REPÚBLICA
João Eichbaum
Alexandre de Moraes, ministro do STF, ultrapassou todos os limites de tolerância permitidos, à conta da falibilidade humana. Impedido e com a bola na mão, saiu com ela pela linha de fundo e ainda bateu o escanteio. Nada de anormal, para quem desconhece lições básicas do Direito Romano: “ne procedat judex ex officio”. Traduzido para doutores que não conhecem latim, isso quer dizer: não se meta o juiz, onde não for chamado.

Claro, “error parit errorem” (um erro gera outro erro). Dias Toffoli havia expedido a Portaria Nº 69 na qual, considerando “a existência de notícias fraudulentas (fake news) denunciações caluniosas, ameaças e infrações revestidas de animus calumniandi, diffamandi e injuriandi, que atingem a honorabilidade do Supremo Tribunal Federal, de seus membros e familiares”, determina a instauração de “inquérito para apuração de fatos e infrações correspondentes...”.

Invocando essa mesma fonte, que é um atentado ao princípio do devido processo legal, Alexandre de Moraes a usa como tentáculo para alcançar a quem quer seja como um látego justiceiro. De ofício, invadiu área do Poder Executivo, exigindo informações sobre “processos disciplinares” instaurados pela Receita Federal. E, de posse das informações, decidiu suspender os procedimentos, por ter enxergado neles “claros os indícios de desvio de finalidade”. E meteu geometria no meio, dizendo que a Receita “de forma oblíqua e ilegal” pretendia “investigar diversos agentes públicos, inclusive autoridades do Poder Judiciário, incluídos Ministros do Supremo Tribunal Federal”. Assim, sacou uma liminar do colete, para impedir investigações que virtualmente poderiam ameaçar as pessoas intangíveis. Essas são pessoas diferentes dos demais mortais, têm regras próprias, e se alcandoram num estrato social não atingido pelo foco constitucional da igualdade de todos perante a lei.

 Alexandre de Moraes foi fiscal da lei, juiz, e advogado de defesa: três em um. Foi fiscal da lei – função que é atribuída por lei ao Ministério Público – ao meter o bedelho em procedimento interno, de caráter administrativo, da Fazenda Pública. Foi advogado de defesa dos contribuintes investigados, entre eles ministros do Supremo Tribunal Federal e respectivas caras metades, ao preservá-los dos guantes do fisco. E foi juiz: julgou por conta própria, sem que qualquer dos contribuintes supostamente prejudicados tenha postulado a prestação jurisdicional, que seria de competência do juízo de primeiro grau. E, não contente com essa tríplice função encastelada no seu ego, se arvorou, sem qualquer permissão legal, em segunda instância de matéria administrativa.

Um procedimento fiscal, de natureza investigatória, conduzido por quem tenha atribuições legais, além de não se enquadrar no molde da espúria portaria de Dias Toffoli, está na esfera do Poder Executivo, tem seus trâmites previstos em lei e, arrimado no art. 2º da Constituição Federal, repele a ingerência ex officio do Poder Judiciário.

É a primeira vez, na história do Brasil como Estado de Direito, que alguém puxa o poder para dentro do próprio ego e o exerce iluminado pela certeza de que “l’Ètat c’est moi” (o Estado sou eu), como Feitor Geral da República, combatendo ameaças à felicidade e à glória perenes dos senhores da Casa Grande.



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