O FEITOR GERAL DA REPÚBLICA
João Eichbaum
Alexandre de
Moraes, ministro do STF, ultrapassou todos os limites de tolerância permitidos,
à conta da falibilidade humana. Impedido e com a bola na mão, saiu com ela pela
linha de fundo e ainda bateu o escanteio. Nada de anormal, para quem desconhece
lições básicas do Direito Romano: “ne procedat judex ex officio”. Traduzido
para doutores que não conhecem latim, isso quer dizer: não se meta o juiz, onde
não for chamado.
Claro, “error parit errorem” (um
erro gera outro erro). Dias Toffoli havia expedido a Portaria Nº 69 na qual, considerando “a existência de notícias fraudulentas (fake
news) denunciações caluniosas, ameaças e infrações revestidas de animus
calumniandi, diffamandi e injuriandi, que atingem a honorabilidade do
Supremo Tribunal Federal, de seus membros e familiares”, determina a
instauração de “inquérito para apuração de fatos e infrações
correspondentes...”.
Invocando essa mesma fonte, que é um atentado ao
princípio do devido processo legal, Alexandre de Moraes a usa como tentáculo
para alcançar a quem quer seja como um látego justiceiro. De ofício, invadiu
área do Poder Executivo, exigindo informações sobre “processos disciplinares”
instaurados pela Receita Federal. E, de posse das informações, decidiu
suspender os procedimentos, por ter enxergado neles “claros os indícios de
desvio de finalidade”. E meteu geometria no meio, dizendo que a Receita “de
forma oblíqua e ilegal” pretendia “investigar diversos agentes públicos,
inclusive autoridades do Poder Judiciário, incluídos Ministros do Supremo
Tribunal Federal”. Assim, sacou uma liminar do colete, para impedir
investigações que virtualmente poderiam ameaçar as pessoas intangíveis. Essas
são pessoas diferentes dos demais mortais, têm regras próprias, e se alcandoram
num estrato social não atingido pelo foco constitucional da igualdade de todos
perante a lei.
Alexandre de
Moraes foi fiscal da lei, juiz, e advogado de defesa: três em um. Foi fiscal da
lei – função que é atribuída por lei ao Ministério Público – ao meter o bedelho
em procedimento interno, de caráter administrativo, da Fazenda Pública. Foi
advogado de defesa dos contribuintes investigados, entre eles ministros do
Supremo Tribunal Federal e respectivas caras metades, ao preservá-los dos
guantes do fisco. E foi juiz: julgou por conta própria, sem que qualquer dos
contribuintes supostamente prejudicados tenha postulado a prestação
jurisdicional, que seria de competência do juízo de primeiro grau. E, não
contente com essa tríplice função encastelada no seu ego, se arvorou, sem
qualquer permissão legal, em segunda instância de matéria administrativa.
Um procedimento fiscal, de natureza investigatória,
conduzido por quem tenha atribuições legais, além de não se enquadrar no molde
da espúria portaria de Dias Toffoli, está na esfera do Poder Executivo, tem
seus trâmites previstos em lei e, arrimado no art. 2º da Constituição Federal,
repele a ingerência ex officio do Poder Judiciário.
É a primeira vez, na história do Brasil como Estado de
Direito, que alguém puxa o poder para dentro do próprio ego e o exerce
iluminado pela certeza de que “l’Ètat c’est moi” (o Estado sou eu), como Feitor
Geral da República, combatendo ameaças à felicidade e à glória perenes dos
senhores da Casa Grande.
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