DE HACKERS E
OUTROS DEMÔNIOS
João
Eichbaum
Tudo começou porque um sujeito está preso numa cadeia que nem cadeia é,
e ele nem preso parece. Seu quadrado carcerário, ao contrário dos regulamentos
dos direitos humanos, nem espaço tem para visitas íntimas, e deixa o indigitado
em estado pior do que bode encerrado, de castigo, obrigado a dormir com a mesma
cabrita até que a morte os separe.
Mas, no concernente ao dito preso, ele goza de regalias e benemerências
que a lei não concede a ladrões de galinha. E seu cárcere privado parece capela
de santo milagroso, com um entra e sai de jornalistas, políticos, artistas,
padres, bispos, e mulheres de variadas belezas, que vão de quadril de tanajura,
e outros recurvados, a traseiro liso, de tábua de passar roupa.
Pois tudo começou com o preso, barbudo e de voz rouquenha. O entra e
sai na cela dele, que nem cela é, mas uma sala, não aparentava visita de
compadres, mas a preparação da maior fofocagem existente.
A conversa que dominava o recinto, com o indigitado torcendo a barba e
enrolando as palavras, era sobre o juiz e o promotor, responsáveis pela mísera
situação em que ele se encontra, de preso que não está preso, e de solto que
está preso, porque diz a Constituição que ninguém é culpado sem a sentença
final.
Num vaivém desses, com tanta gente entrando e saindo, tanto palpite
furado, tanto ódio digerido contra o juiz e o promotor, apareceu um gringo,
palpitando sobre meios e modos de desfeitear trabalho alheio. E, arranhando a
nossa linguagem com mais erres do que ela tem, falou sobre uns abelhudos, uns
tais de hackers, que vasculham a vida de todo mundo, revelando, a poder de
grana, quem é que transa com quem, quem é que anda com a mulher de quem, e
outras avarias de honra que calha saber sobre a vida alheia.
A ideia ganhou aplauso e os hackers foram chamados para aparar o
caminho da vingança contra o juiz e o promotor, e para botar por terra a
condenação do indigitado. Apareceram conversinhas dos dois, juiz e promotor,
nesses aparelhinhos modernos onde fica tudo o que a gente escreve ou fala. E a
grande imprensa tratou de infestar de fofocas o país.
A partir de então, o assunto mais cevado, na barbearia, no táxi, na
mesa do bar, na televisão, foi quem é que fez o quê, quem contratou os
abelhudos, quanto eles custaram.
Enfim, os hackers foram parar no xilindró. Na cadeia um acusou o outro.
Ninguém era culpado, mas tinha rabo de saia no meio, a filha duma
desembargadora. Era o que faltava: a circunstância deu ao enredo tudo o que
apimenta uma fofoca.
O diz-que-diz teria estacionado nesse pé, fazendo dos assuntos de
Estado cochichos de comadres e alimentando manchetes da grande imprensa, não
fosse o crime organizado. Com dois espetáculos cinematográficos, um de roubo de
ouro no aeroporto de Guarulhos e outro, de horror, de uma chacina no Pará, ele
mostrou a verdadeira parte sofrida do povo brasileiro. Sem fofocas.
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