UM
CADÁVER NA DESREGULADA BALANÇA DA JUSTIÇA
João
Eichbaum
Luiz Carlos Cancellier de Olivo, ex-reitor da
Universidade Federal de Santa Catarina, foi uma vítima fatal da “prisão
temporária”, essa lei infame, que permite encarcerar inocentes, assim reconhecidos
pela Constituição Federal. Não resistindo à vergonha de ter sido preso sem
culpa, Cancellier se suicidou. Mas, parece que a insolência de sua morte a
alguns incomoda e lhes afina as suscetibilidades. Quando um cadáver não exala
as devidas suspeitas, detetives há que farejam até o rasto das lembranças
deixadas pelo morto.
O atual
reitor da UFSC e seu chefe de gabinete, ambos vivos por enquanto, foram
denunciados por crime de “injúria”. O primeiro, por ter presidido cerimônia em
homenagem ao falecido Cancellier, sem promover a remoção de cartazes que havia
no local, pedindo a punição, por abuso de poder, de “agentes públicos”, cujas
fotografias estavam ali estampadas. O segundo, pelo crime de se ter permitido
fotografar, nesse cenário de revolta contra os fatos que desembocaram na morte
do ex-reitor.
Para transformar em “criminosos” o reitor atual e
seu chefe de gabinete, responsabilizando-os em razão de dizeres escritos por
“manifestantes não identificados”, que “ofenderam a honra funcional” da
delegada Érika Mialik Marena, o agente do Ministério Público invocou a parte do
art. 13 do Código Penal que considera causa “a ação ou omissão, sem a qual o
resultado não teria ocorrido”. Quer dizer, reconhece que a “ofensa” foi praticada
por uns, mas denuncia outros: é melhor ter na mão dois “criminosos” do que todo
o bando deles voando.
A contradição mata a própria denúncia. Se foram “manifestantes
não identificados” que “ofenderam a honra funcional” da delegada, como diz, com
todas as letras, a denúncia, ela, a excelentíssima senhora, já estava “injuriada”,
seu pundonor já havia perdido o resguardo, antes da presença do reitor e de seu
chefe de gabinete no local onde havia cartazes de revolta. Portanto, não foram
eles, os denunciados, que desencadearam o resultado: a “injúria” já havia sido
plantada.
Do Judiciário temos o “prende-solta-solta-prende”,
os estardalhaços circenses e muitos outros ditos por não ditos, que afundam no
abismo sem fim das coisas sem serventia. Do Ministério Público provêm denúncias
nada exemplares, que dissecam fatos penais e selecionam réus. Não há como fugir
da insegurança jurídica, que coleia neste país como uma serpente venenosa,
inoculando o pavor da injustiça no povo sofrido, como se já não bastasse a
corrupção.