sexta-feira, 31 de agosto de 2018


UM CADÁVER NA DESREGULADA BALANÇA DA JUSTIÇA
João Eichbaum
Luiz Carlos Cancellier de Olivo, ex-reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, foi uma vítima fatal da “prisão temporária”, essa lei infame, que permite encarcerar inocentes, assim reconhecidos pela Constituição Federal. Não resistindo à vergonha de ter sido preso sem culpa, Cancellier se suicidou. Mas, parece que a insolência de sua morte a alguns incomoda e lhes afina as suscetibilidades. Quando um cadáver não exala as devidas suspeitas, detetives há que farejam até o rasto das lembranças deixadas pelo morto.
 O atual reitor da UFSC e seu chefe de gabinete, ambos vivos por enquanto, foram denunciados por crime de “injúria”. O primeiro, por ter presidido cerimônia em homenagem ao falecido Cancellier, sem promover a remoção de cartazes que havia no local, pedindo a punição, por abuso de poder, de “agentes públicos”, cujas fotografias estavam ali estampadas. O segundo, pelo crime de se ter permitido fotografar, nesse cenário de revolta contra os fatos que desembocaram na morte do ex-reitor.
Para transformar em “criminosos” o reitor atual e seu chefe de gabinete, responsabilizando-os em razão de dizeres escritos por “manifestantes não identificados”, que “ofenderam a honra funcional” da delegada Érika Mialik Marena, o agente do Ministério Público invocou a parte do art. 13 do Código Penal que considera causa “a ação ou omissão, sem a qual o resultado não teria ocorrido”. Quer dizer, reconhece que a “ofensa” foi praticada por uns, mas denuncia outros: é melhor ter na mão dois “criminosos” do que todo o bando deles voando.
A contradição mata a própria denúncia. Se foram “manifestantes não identificados” que “ofenderam a honra funcional” da delegada, como diz, com todas as letras, a denúncia, ela, a excelentíssima senhora, já estava “injuriada”, seu pundonor já havia perdido o resguardo, antes da presença do reitor e de seu chefe de gabinete no local onde havia cartazes de revolta. Portanto, não foram eles, os denunciados, que desencadearam o resultado: a “injúria” já havia sido plantada.
Do Judiciário temos o “prende-solta-solta-prende”, os estardalhaços circenses e muitos outros ditos por não ditos, que afundam no abismo sem fim das coisas sem serventia. Do Ministério Público provêm denúncias nada exemplares, que dissecam fatos penais e selecionam réus. Não há como fugir da insegurança jurídica, que coleia neste país como uma serpente venenosa, inoculando o pavor da injustiça no povo sofrido, como se já não bastasse a corrupção.

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