OS ADVOGADOS DE DEUS
João Eichbaum
O primeiro chute no
traseiro, desde que o mundo é mundo, quem recebeu foram Adão e Eva, os
robozinhos de carne criados por Deus. Depois das fofocas de comadres que, numa
esplendorosa tarde no paraíso, a serpente e a Eva trocaram, imaginem o que
aconteceu. Eva não só comeu uma maçã proibida por Deus, como deu pro Adão. E aí
rolou o pecado original.
Foi então que Javé, o
deus judaico-cristão, teve o primeiro surto de fúria no calendário da
eternidade. Não quis saber de explicação. Decisivo, porque não tinha segunda
instância, fuzilante, berrou: “sumam daqui, acabou o bolsa-família, chega, vão
se virar, vão se fu...ops, vão se multiplicar, parindo bebês para encher o
mundo”.
Foi o primeiro surto de
raiva e vingança. Outros se seguiram depois: mandou um dilúvio para afogar o
mundo, botou fogo com enxofre em Sodoma e Gomorra, porque a turma só pensava em
transar, dividiu o mar vermelho para afogar os egípcios, deu a maior força para
David matar Golias, criou as fogueiras da Inquisição, e por aí foi, matando e
mandando matar.
Até que chegou a vez do
Bolsonaro. Para isso ele escolheu a dedo um sujeito chamado Adélio Bispo,
pobre, sem teto, sem terra, sem profissão, sem mulher, desempregado, mas com
cartão de crédito internacional: “vai lá e termina com a pele desse cara”.
Mas, o Adélio não
conseguiu dar conta do recado. Preso, depois de ter esfaqueado Bolsonaro,
entregou o mandante: “foi Deus”. Ora, com um réu de tal porte, outra coisa não
se poderia esperar. Assim que Adélio abriu o bico, surgiram quatro advogados do
nada, assim como do nada surgiu o mundo criado por Javé. Senhores bem vestidos,
de conversa fluente, engravatados, prestando assistência VIP ao mercenário de
Deus, coisa que nem Jesus Cristo teve, para se defender perante Pilatos.
Até hoje, em toda a
história judiciária do Brasil, tal não havia acontecido. Há milhares de pobres,
tratados como animais irracionais nos presídios pestilentos, a quem Deus não
socorre, nem com a graça de advogados de porta de cadeia.
Mas Adélio é um
privilegiado. Foi escolhido porque tem recheio psicológico e é dotado de enorme
senso artístico. Enroscado na ideia de que cumpre missão divina, se sente numa
trincheira. Só que, pelo sim, pelo não, para lhe fechar a boca, Deus
providenciou advogados de alto coturno, pagando-os com a única moeda que é
reconhecida no sistema financeiro da eternidade, não entra nas contas da
Receita Federal, nem deixa rastro para a polícia: o dízimo.