terça-feira, 25 de setembro de 2018


O PAI PRESENTE
Mariléia Sell

Um pai visivelmente furioso entra na minha sala. Queria um registro que fizera há uns sete anos, oito talvez, não lembrava direito, relatando que havia ameaçado a professora do filho.
– Foi uma ameaça velada, mas para bom entendedor…
– Por que o senhor ameaçou a professora?
– Porque ela deixou o meu filho sozinho na biblioteca, de castigo, e lá tinha um esqueleto. Ele ficou com tanto medo que pegou trauma.
– E por que o senhor quer esse registro depois de tantos anos?
– Quero provar para o juiz que sou um pai presente.
– Por que o senhor precisa provar que é um pai presente?
– Porque a minha mulher diz que não sou.
– Por que ela diz isso?
– É porque ela quer o divórcio e no divórcio elas inventam um monte de coisas.
– E o senhor acha que é um pai presente?
– Claro que sou. Se não fosse, não teria corrido o risco de ser preso, ameaçando uma funcionária pública. Li num cartaz que dá cadeia.
– Hum
–  E eu educo o meu filho. Quando ele erra, desmonto ele a pau.
– O senhor é agressivo?
– Tenho potencial, mas não sou. Tenho treinamento da Polícia de Operações Especiais. Sou vigilante e sei o que fazer com uma arma. Aprendi que se é pra morrer, melhor morrer atirando. Mas não sou violento.
– Hum.
 – Sempre digo pra ele que até os 18 anos ele tem que se preocupar comigo. Depois, é com a polícia. E ele está mais do que avisado: não visito filho no xilindró.
– Mas por que o senhor acha que esse registro vai ajudá-lo com o juiz?
– Primeiro vou tentar a reconciliação porque não entendo o motivo de ela querer o divórcio.
– Hum.
– E se ela não aceitar voltar pra mim, vou tentar a guarda. Não acho justo pagar pensão.
Mariléia Sell é Professora Doutora dos Cursos de Letras e Comunicação da Unisinos


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