sexta-feira, 28 de dezembro de 2018


GANANCIOSO, INSACIÁVEL
João Eichbaum
 A história do mundo, na versão da mitologia judaico-cristã, é contada na bíblia. Assim: depois de uma eternidade sem fazer nada, Deus resolveu criar o mundo, com céu, estrelas, mar, terra, aves, animais quadrúpedes e répteis, etc. E, se sentindo inspirado, pensou em fazer alguém à sua “imagem e semelhança”. Moldou uma figura de barro, deu um bafo nela. Pronto. Estava criado o homem, um ente que se movia, respirava e tinha pênis.
Quando viu aquilo, Deus disse lá para ele mesmo: “puxa, pra que fui botar pênis no cara? Só pra mijar? Essa, não”. Pensou isso, mas não disse para ninguém, senão iam escrever na bíblia. O que ele disse foi outra coisa: “não é bom que o homem esteja só”. E criou a mulher. E a mulher fez amizade com a serpente.
Numa tarde em que as duas, sem ter o que fazer, fofoqueavam, a serpente segredou para a mulher: “Deus proibiu vocês de comerem a maçã, para impedir que tenham os mesmos poderes dele”. Ouvindo isso, a mulher estalou os dedos, bateu com a mão de donzela na testa e criou uma palavra nova: “empoderamento”. E correu para o homem, convencendo-o a comer a maçã proibida.
Deu no que deu: Deus se sentiu desprestigiado, desacatado, e só não mandou prender o casal, porque não tinha tanto poder como um ministro do Supremo. Então, expulsou o homem e a mulher do paraíso.
Aí está: as duas criaturas humanas tinham tudo de melhor na vida. Moravam num paraíso, rodeadas de belas árvores, lagos azuis, pássaros, serpentes sem veneno, não precisavam entrar na fila do SUS, não pagavam imposto de renda e não sofriam críticas por gozarem daquele belo auxílio-moradia. Mas, nada disso lhes bastou. A ganância pelo poder, comendo a maçã, mostrou o quanto estavam insatisfeitas.
Agora vem o Papa, em sua homilia de Natal, xingar todo o mundo, dizendo que o homem “se tornou” ganancioso, insaciável. Ora, ora, Sua Santidade não foi socorrido pelo instinto para reconhecer que a criatura humana foi sempre assim. Ela nunca cogitou de nada, sem pensar primeiro em si mesma. Nada lhe basta, nada lhe satisfaz. Nem depois de morta. Tanto que, para garantir um lugarzinho no paraíso, paga ingresso antecipado: o dízimo. A criatura humana de hoje, gananciosa e insaciável, é exatamente aquela criada, segundo as religiões, por Deus. Nada mudou de lá para cá. Quem conhece a bíblia, sabe disso.


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