GANANCIOSO,
INSACIÁVEL
João
Eichbaum
A história do mundo, na versão da mitologia
judaico-cristã, é contada na bíblia. Assim: depois de uma eternidade sem fazer
nada, Deus resolveu criar o mundo, com céu, estrelas, mar, terra, aves, animais
quadrúpedes e répteis, etc. E, se sentindo inspirado, pensou em fazer alguém à
sua “imagem e semelhança”. Moldou uma figura de barro, deu um bafo nela.
Pronto. Estava criado o homem, um ente que se movia, respirava e tinha pênis.
Quando
viu aquilo, Deus disse lá para ele mesmo: “puxa, pra que fui botar pênis no
cara? Só pra mijar? Essa, não”. Pensou isso, mas não disse para ninguém, senão
iam escrever na bíblia. O que ele disse foi outra coisa: “não é bom que o homem
esteja só”. E criou a mulher. E a mulher fez amizade com a serpente.
Numa
tarde em que as duas, sem ter o que fazer, fofoqueavam, a serpente segredou
para a mulher: “Deus proibiu vocês de comerem a maçã, para impedir que tenham
os mesmos poderes dele”. Ouvindo isso, a mulher estalou os dedos, bateu com a
mão de donzela na testa e criou uma palavra nova: “empoderamento”. E correu
para o homem, convencendo-o a comer a maçã proibida.
Deu
no que deu: Deus se sentiu desprestigiado, desacatado, e só não mandou prender
o casal, porque não tinha tanto poder como um ministro do Supremo. Então, expulsou
o homem e a mulher do paraíso.
Aí
está: as duas criaturas humanas tinham tudo de melhor na vida. Moravam num
paraíso, rodeadas de belas árvores, lagos azuis, pássaros, serpentes sem
veneno, não precisavam entrar na fila do SUS, não pagavam imposto de renda e
não sofriam críticas por gozarem daquele belo auxílio-moradia. Mas, nada disso
lhes bastou. A ganância pelo poder, comendo a maçã, mostrou o quanto estavam insatisfeitas.
Agora
vem o Papa, em sua homilia de Natal, xingar todo o mundo, dizendo que o homem
“se tornou” ganancioso, insaciável. Ora, ora, Sua Santidade não foi socorrido
pelo instinto para reconhecer que a criatura humana foi sempre assim. Ela nunca
cogitou de nada, sem pensar primeiro em si mesma. Nada lhe basta, nada lhe
satisfaz. Nem depois de morta. Tanto que, para garantir um lugarzinho no
paraíso, paga ingresso antecipado: o dízimo. A criatura humana de hoje,
gananciosa e insaciável, é exatamente aquela criada, segundo as religiões, por
Deus. Nada mudou de lá para cá. Quem conhece a bíblia, sabe disso.
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