sexta-feira, 14 de dezembro de 2018


MISTURA DO MAL COM O ATRASO
João Eichbaum

“Você é uma pessoa horrível. Uma mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia”.
Não. Esse furor poético, que tem tudo para figurar na antologia do desprezo, não parte de um amante despeitado, não representa o grito de um coração torturado pelas mágoas, sempre iguais, de um amor que se foi, ou de uma paixão que pegou fogo e, por isso mesmo, virou cinza.

Se fosse o caso de um amor desfeito, ele não perderia o fio da poesia, a linha romântica, o tom de ternura ferida, as marcas do afeto que teimam em ficar, mesmo subjugadas pela desilusão.
Aqui, a poesia não suprimiu o rancor. Os traços poéticos foram deixando pelo caminho, isso sim, a tristeza agressiva do amor que desistiu e se entregou à malquerença.

Então, do poema raivoso transborda o fel do rancor: “Vossa Excelência nos envergonha. Vossa Excelência é uma desonra para o tribunal. Uma desonra para todos nós. Um temperamento agressivo, grosseiro, rude. É péssimo isso. Vossa Excelência, sozinho, desmoraliza o tribunal. É muito ruim, muito penoso para todos nós ter que conviver com Vossa Excelência aqui. Não tem ideia, não tem patriotismo, está sempre atrás de algum interesse que não é o da Justiça”.

Aí está: longe de ser um caso de amor acabado, o texto nada mais é do que uma diatribe do ministro Roberto Barroso, disparada contra seu colega Gilmar Mendes, em plena sessão do Supremo Tribunal Federal.

Ouvindo o desarranjo verbal no rasto do poema da ira, emudeceram aqueles senhores que, debaixo da toga, se deixam seduzir pelas atrações do poder e pelos encantos do mundo. Foi como se um terremoto estivesse mexendo em sua torre de marfim, onde se sentem imunes aos estragos que desqualificam o resto da humanidade.  Frágil, como o espelho na frente do qual se idolatra, a imagem do STF se esfacelou.

A instituição então se desnudou, perante o povo, como um grupo humano qualquer, infestado de fraquezas. A poesia rancorosa de Roberto Barroso acabava de desenhar a cara do sistema judiciário. Soltando corruptos, dando-lhes a oportunidade de farrear zombeteiramente com o dinheiro que roubaram da nação, e libertando assassinos, assaltantes, estupradores, que voltam ao mundo do crime para sacrificar inocentes, a Justiça pratica o mal. Entregando-se à lassidão que caduca direitos, e tratando julgamentos com uma presteza de lesma, ela é o próprio atraso da vida. E, para que essa mistura de mal com atraso cresça e não desande, além de impostos, temos que pagar custas.





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