sexta-feira, 16 de abril de 2021

 

VERBO PREFERIDO DO PODER: PROIBIR

Ao negar legitimidade à Associação Nacional de Juristas Evangélicos para ajuizar “arguição de descumprimento de preceito fundamental”, o STF está na contramão do maior princípio de Direito Constitucional que sustenta os regimes democráticos: o de que “todo o poder emana do povo”. A Constituição federal é clara, ao conferir tal legitimidade a “confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional”, dispositivo esse acolhido na Lei 9.882/99 que regula aquele processo.

A insegurança jurídica, plantada por decisões como essa, é fruto do mau uso dos instrumentos da exegese. O primeiro pressuposto que deveria socorrer a inteligência de qualquer ministro do Supremo, é de que ele é membro de um tribunal constitucional. A missão precípua do Supremo é resguardar a Constituição Federal, preservá-la de violações, mantê-la como sustentáculo da segurança jurídica. Não lhe cabe, por isso, interpretar restritivamente dispositivos processuais, quando se cuida de tema que só pode ser resolvido através de sua competência exclusiva. Em se tratando de direito fundamental, o Supremo é a única e última instância. Ao excluir da proteção jurisdicional, por defeito formal, o direito de uma parcela de cidadãos, ele está se desviando, não apenas de sua competência, como do próprio dever constitucional.

Salvo erro grosseiro da parte, ao utilizar, por exemplo, uma forma processual que afronte diretrizes constitucionais, não cabe ao Supremo a análise de questão procedimental, para se negar ao exame do mérito. Isso, pela simples e claríssima razão, de que, em se tratando de direito fundamental, o mérito é superior à nua e inexpressiva formalidade.

Ora, se cabe nas atribuições do juiz a faculdade de interpretar extensivamente, por qual razão irá ele interpretar restritivamente, não só negando à parte a proteção do seu direito, como violando a Constituição Federal, que consagra como direito fundamental o acesso ao Judiciário? Logo o Supremo Tribunal Federal comete tal disparate?

A Associação Nacional dos Juristas Evangélicos é uma entidade que se ajusta à lei pelo próprio nome. O que mais será necessário para aceita-la como “entidade de classe, de âmbito nacional”?

Os ministros do STF precisam saber que intérprete não é sinônimo de escamoteador. Não é lícito distorcer a letra da lei, para extrair do texto legal o que ele não diz.  Se a expressão literal da lei é clara, que razão haverá para tratá-la com a redação nebulosa, coleante e obtusa, besuntada de adjetivos e advérbios, que só é considerada como poço de erudição ou manifestação de cultura por quem não domina o vernáculo? A letra da lei é o primeiro instrumento útil para a sua intepretação. Quem despreza esse instrumento não merece ser qualificado como intérprete, porque não passa de um inventor: inventa regras que passam longe dos fundamentos da hermenêutica.

Nessa linha, o voto prolixo, soporífero, político de Gilmar Mendes, vencedor na restrição a cultos em razão da pandemia, é um modelo de pobreza, não só de hermenêutica, como de dialética. A lengalenga desemboca na conclusão de que os direitos fundamentais são relativos, voláteis: sua validade depende dos fatos.

 

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