JURISPRUDÊNCIA DA LEI DE
TALIÃO
Ele era um terror. Muita gente que, por possuir duas
bolas, se achava macho, seria capaz de melar as cuecas só de pensar em abrir os
olhos remelentos de manhã e dar com ele ao pé da cama. Ou, na melhor das
hipóteses, ser despertado pela campainha e, ainda de pijama, abrir a porta e
deparar com aquela figura de estátua caminhante, brandindo o papel assinado
pelo juiz.
Sim, o
Newton Hidenori Ishii, parecia uma estátua que caminhava. Duro, impassível, os
olhinhos puxados escondidos atrás dos óculos escuros, recebia, sem qualquer
sinal de emoção, os flashs e os holofotes da imprensa. Ela o havia plasmado com
o apelido de “Japonês da Federal”, uma espécie de Torquemada da Inquisição da
Santa Igreja. Ninguém o conhecia pelo nome de Newton, um mortal qualquer.
Mas, ele
era apenas um executor das ordens daquele
juízo, chamado Lavo Jato, que atuava como se fosse inspirado na Santa
Inquisição. Como no “santo ofício”, os suspeitos eram torturados, antes de
tudo, pelo próprio medo. Vá que os enfiassem numa cela, onde os esperava, silencioso
e sorridente, um daqueles grandalhões tatuados, de peitos peludos, que não viam
mulher há mais de dois anos. Só em pensar nisso, o cara já ficava disposto a
confessar até o que não tinha feito.
Mas, se o
cara, por sorte, mantivesse as preguinhas ainda íntegras, ele até conseguia
tomar um pouco de coragem e não abria o bico. Mas aí o tempo passava e dava a
impressão de que o tinham esquecido na cadeia. Quer dizer: matavam-no no
cansaço. Então, ciente de que, se contasse o que sabia sobre as ladroagens que
grassavam no país, teria a pena diminuída e poderia ser solto, vomitava as
verdades e outras circunstâncias.
Ver
políticos e diretores de estatais desfilando ao lado do Japonês da Federal, num
corredor formado por jornalistas e suas máquinas de fazer história, era uma
alegria sem nome e uma felicidade orgástica para o povo. E a cada espetáculo
desses, subia a fama, com odor de devoção, de Sérgio Moro, o juiz da Lava Jato.
E foi a tal ponto, que ninguém punha em dúvida sua condição de herói e salvador
da pátria. A condenação do Lula, então, levou ao ápice tamanhas honrarias.
Mas o ego, quando
inchado de vaidade como ventre de sapo, sempre foi mau conselheiro. Ao trocar a
magistratura pela política, Moro ajudou o destino a mudar sua história. Sua
unanimidade começou a encolher; sua aura de herói desbotou. Então os inimigos
se aproveitaram de seu flanco aberto. Carcomida pela dúvida, a Lava Jato passou
a sobreviver como um desenganado. E verdades de baralho passaram a valer como
lei, por obra de criminosos, bisbilhoteiros de destinos alheios.
Semana
passada, três ministros do STF, com discurso semelhante à jurisprudência
popular inspirada na Lei de Talião, “quem com ferro fere, com ferro será
ferido”, despojaram Sérgio Moro das insígnias de herói. E da Lava Jato só
restou, como lembrança de um sonho, o “japonês da federal”.
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