sexta-feira, 30 de abril de 2010

COM A PALAVRA, PAULO MARINHO

Álbum de fotografias

Paulo Marinho

Foi Günter Grass, quem me deu a idéia. À página 55 de seu memorável Die Blechtommel, de 1959, disse-me: Que romance – ou que outra coisa no mundo – poderia ter a dimensão épica de um álbum de fotografias? Pensei no nobel de literatura que o escritor alemão ganhara a pouco, justamente por este livro, O Tambor. Fica evidente que uma obra que contenha uma frase desta, por pura justiça, há de garantir um nobel. É verdade! Não há prova concorrente capaz de fazer frente a um punhado de fotografias ordenadas num álbum. Como borboletas espetadas no feltro, concretas e visíveis, os retratos sintetizam histórias inteiras. Tanto pode ser a construção da casa nova, registrada passo a passo, do alicerce ao telhado, quanto a saga da família, desde o flagrante extraordinário do trisavô imigrante no porto, até um instantâneo digital seu, de bermudão no carnaval.

Para ratificar esta premissa, abro um dos velhos álbuns de fotografias da família. Vejo que as modas mudam. Tem eu de pantalona. Eu mais gordo. O finado Jurandir posa com os indicadores espetados para o alto, numa festa de igreja. Em preto e branco. Aqui e ali aparecem caras amareladas, paisagens indefinidas. Numa foto tremidíssima, um desconhecido segura algo que tanto pode ser um peixe, como uma fruta. Ao seu lado um outro vivente, que suponho ser meu pai, sorri para a lente. Tomando conta de uma página inteira, meu avô. Monta um cavalo, o vô. No coldre, o revolvão. Dois negrinhos seguram a montaria pelas rédeas. Na próxima folha, meus irmãos mais velhos em Torres. As calças curtas, os cabelos escovinha. Olhos arregalados. Minha irmã segura a saia. O tio Biléu está sentado mais atrás, picando fumo. Tem os pés descalços. Não sei porque, mas mesmo em segundo plano, rouba a cena.

Eu de chuca-chuca. Minha única foto na primeira infância. Depois, no dia da comunhão. De gravata borboleta, camisa Volta-ao-Mundo e tergalina azul-marinho. O Garibaldo! Nem lembrava que tinha uma foto do Garibaldo, o cachorro mas querido da família. O retrato foi feito de surpresa, com ele querendo emprenhar a perna da dona Minaca. Uma foto – épica – mostra o primeiro quadro do time do Cubla estreando o fardamento novo. No cantinho esquerdo, o bico verde, o fusquinha do seu Bebê, quase zero. Eu com meus orelhões de abano e a turma do quartel, chapinhando no barral, idiotamente feliz. 1961, 75, 80, 82... Ah, não fosse o álbum de fotografias seríamos todos como o Darcanssauro Félix, réptil pré-histórico que acabo de inventar, o qual passou pela terra, sem deixar vestígios.

Nem nos damos conta, mas temos na gaveta um importante memorial. Tão importante que, pensando bem, deveria era repousar na sala, bem ao lado daquele vaso caro. Com luz incidental e tudo, sim senhor!

quinta-feira, 29 de abril de 2010

VARIAÇÕES EM TORNO DO TEMA FIADASPUTAS

ESSA É A JUSTIÇA

João Eichbaum

Não sei se vocês já observaram, mas volta e meia há juízes escrevendo para jornais, enaltecendo a justiça, ou seja, se autoelogiando. O que eles dizem é que a justiça é sublime, que o Poder Judiciário é isento, que os juízes não são corruptos, nem preguiçosos, que trabalham de sol a sol e deixam o povo crédulo, contente e batendo palmas, porque confia na justiça. E por aí seguem encômios e laudas.
Mas quem conhece os homens, conhece os juízes e não engole as explicações que eles vêm dar para os jornais.
Por exemplo. Cansado de esperar pela decisão de um processo, que estava nas mãos do ministro Joaquim Barbosa, - o primeiro afrodescendentão que entrou no STF pelas cotas do Lula, - um advogado tributarista do Mato Grosso representou contra ele no CNJ. Vocês sabem o que é isso? É o tal de Conselho Nacional de Justiça, criado para botar ordem na casa, e que atualmente até propaganda tem feito na mídia, adivinhem para quê? Para se autoelogiar. Com o nosso dinheiro, naturalmente.
Bem, mas contava eu que o advogado representou contra o ministro que havia sentado em cima do processo. Aí, o CNJ, que se proclama o moderador dos bons costumes judiciários, caiu fora: não, não, não é com a gente, a gente não fiscaliza ministro do Supremo Tribunal Federal.
Viram só? Pra que é que serve o CNJ? Pra deixar os ministros do Supremo fazerem, ou não fazerem, o que lhes aprouver. Eles são juízes acima de qualquer mortal comum, estão numa redoma de vidro à prova de tudo.
Mas, o advogado não foi nessa e ingressou com mandado no próprio STF contra a decisão do Conselho Nacional de Justiça. Aí o mandado de segurança caiu nas mãos da ministra Elen, a mesma que, quando soube que o Joaquim Barbosa tinha sido indicado para o STF, exclamou: “ué, agora até quem bate em mulher já pode ser ministro do Supremo?”
Pois bem. Sobre o mandado de segurança, ela, como relatora, pediu informações ao Joaquim.
Não deu outra, gente. Pressionado, o afrodescedentão correu e anunciou o julgamento do processo sobre o qual estava sentado, descansando de suas peladas com os amigos.
Então, ficou assim: o dito pelo não dito, arquivaram o mandado de segurança. Tudo numa boa, tudo em casa, tudo em família.
E você, aí no fundo, esperava que ele fosse punido, é? Até pode ser que um ministro seja punido. Mas isso só acontecerá no dia em que a Angelina Jolie me telefonar, implorando para que eu passe uma noite com ela.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

CARTA ABERTA A UMA AUTORIDADE DA JUSTIÇA

Senhora Desembargadora
Laudelino Sardá Jornalista e Professor

Li no Diário Catarinense e ouvi gravações, feitas por um policial em um celular, sobre a blitz em que o veículo do seu filho precisou ser apreendido em razão da documentação vencida.
Já passei por isso também. É comum, sim. Nessa luta inglória contra o relógio, não há quem não escorregue na pontualidade com os compromissos diários, não é mesmo? Se bem que o IPVA de 2009 do carro de seu filho não havia sido pago, além de multas. Contudo, vamos considerar isso normal.
Entretanto, senhora desembargadora, a roda-vida que abrevia o nosso tempo não pode nos roubar o que há de mais sagrado em uma nação democrática: a ética. Imagine se todas as autoridades se achassem no direito de estar acima das leis, como a senhora fez, ao querer exigir que o carro fosse liberado, mesmo irregular, porque pertencia ao filho de uma desembargadora.
Meu peito se comprimiu, uma nuvem afogou o meu cérebro, talvez ainda perturbado pelo episódio anterior, em que um ex-desembargador exigia que uma funcionária do Tribunal dividisse a gratificação de função com a sua esposa. Como é possível, senhora desembargadora, trabalhar o equilíbrio social de uma nação se as leis valem menos do que uma atitude? A réplica do policial à sua irreverência – “sabem com quem estão falando?” – é um sentimento fiel à dignidade humana: “então a senhora é que deveria dar exemplo”. Esse policial serve de espelho a uma instituição, que carece de maior confiança, em razão de alguns poucos militares se envolverem em trapaças e drogas. Esse policial me emocionou e me fez acreditar que essa nação pode resgatar, sim, a ética da autoridade, do político e a moral pública.
O ex-desembargador Marcílio Medeiros, falecido recentemente aos 95 anos, dizia, em seus artigos publicados em O Estado, que o equilíbrio de uma nação dependia substancialmente de uma justiça exemplar. Os países de maior referência democrática, como Finlândia, Suécia, Dinamarca e outros, têm um poder judiciário implacável, obstinado. O Brasil não é exemplar em democracia. A sua corrupção é epidêmica, rouba cerca de 10% do que pagamos de impostos municipais, estaduais e federais. E, até que prove o contrário, a justiça, se não for omissa e lenta, é conivente.
Procuro fugir ao ceticismo, mas sempre me vejo empurrado por comportamentos que agridem as leis. Já vi juízes escondendo a placa de veículos oficiais em viagem de férias, o presidente do Tribunal de São Paulo superfaturando obras públicas, e até mesmo juízes que soltaram bandidos sem justificar o mérito. Ainda não me convenci da decisão do Superior Tribunal de Justiça de proibir as investigações em torno das denúncias contra o banqueiro Daniel Dantas. Enfim, há dezenas de exemplos que me lançam ao pessimismo. Mas, até pouco tempo, eu juraria que o nosso Tribunal fosse movido pela ética e seriedade. O primeiro baque foi a denúncia contra o desembargador que queria a metade do salário de uma funcionária, aliás, uma atitude tão mesquinha que nos desassossega diante da vulnerabilidade do poder judiciário. Agora, a senhora afronta policiais, que cumpriam suas obrigações, exigindo que eles driblassem a lei e liberassem o carro do seu filho.
O que a senhora me recomenda? Acreditar ainda na justiça? Bem, o jornalista Pimenta Neves, que confessou ter assassinado a sua namorada Sandra Gomide, continua solto faz 15 anos, por força de um habeas corpus. E, no entanto, uma menina é equivocadamente jogada em uma cela cheia de bandidos e estuprada, além de sofrer outras violências, tudo porque uma juíza não examinou como deveria a denúncia contra a vítima. A menina depreciada só vê o tempo passar, em meio ao fantasma da violência, enquanto a juíza acaba de ser aposentada.
Senhora desembargadora, escrevo esta carta aberta, sem precisar citar o seu nome, em busca de uma resposta: ainda podemos acreditar na recuperação de uma Nação vilipendiada em seus direitos por dezenas de anos? Por que a abominável lei de Gerson ainda contamina os poderes? Por que a arrogância e a tirania infectam o ser humano, principalmente quando se veste de autoridade?
Imagine se ao invés de desafiar os policiais, a senhora tivesse cumprimentado-os e conduzido seu filho para casa, advertindo-o de que a sua posição de magistrada não poderia ser comprometida por documentos irregulares de um carro? Com certeza os policiais teriam aplaudido a sua atitude e seu filho recebido uma lição inesquecível. Mas a senhora não pensou: apenas impôs uma autoridade que, para a saúde da sociedade, não superou a ética de um simples policial.
Seu filho, com certeza, desconhece leis. Pra quê, não é mesmo? A lei é a senhora. Mas, felizmente, a senhora recebeu uma lição de ética, justamente daquele moço que não deve ter um certificado de ensino superior, mas possui um diploma invejável, de um profissional ético. Hoje, eu acredito na polícia. Mas como acreditar só na polícia se é a justiça que manda prender e soltar bandidos?
Senhora desembargadora, meu único objetivo é provocar-lhe uma reflexão. Contudo, não chegaremos a nenhuma conclusão relevante, até porque o próprio Tribunal de Justiça se omite nestas questões. O Tribunal se acha no direito de punir o cidadão fora da lei, mas foge ao dever de obrigar que seus membros sejam os primeiros a darem exemplo de ética e dignidade.

terça-feira, 27 de abril de 2010

CRÔNICAS DRAMALEÔNICAS

CENA ÚNICA

Paulo Wainberg

HAROLDO: em torno dos quarenta anos, bem apessoado, dono de uma loja de móveis que herdou do pai, onde trabalha desde os 15 anos. Está entediado, olhando para a pilha de papéis (faturas, contas, pedidos, notas fiscais) que entopem sua mesa no pequeno escritório no fundo da loja, sem luz externa. Na parede, atrás dele, uma foto antiga do pai e na do lado direito um relógio que prende a atenção de HAROLDO. Ele é o perfeito exemplo de quem não tem mais ‘joie de vivre’. Numa mesinha auxiliar, uma garrafa térmica com café e um aparelho ligado na tomada, que fornece água gelada.


Com um suspiro ele pega, na gaveta, um pequeno gravador e diz:

HAROLDO: – Desde os quinze anos vendo móveis nesta loja. Atender o freguês, saber o que ele quer, demonstrar o conforto das cadeiras e como a mesa é prática, elogiar a textura dos sofás e poltronas, ressaltar, demonstrando, que um sofá só é cômodo se o assento terminar exatamente na dobra dos seus joelhos. Negociar preço, aceitar agradecimentos e promessas não cumpridas de voltar amanhã.

Levanta e começa a dar voltas na escrivaninha, parando para tomar água num copo plástico.

HAROLDO: – Casei com vinte e cinco anos, aos vinte e oito já era pai e comerciante a pleno, lidando com fábricas, revendedores, representantes comerciais, bancos, contadores, o tempo foi passando e eu aqui, nesta saleta, dia após dias, até chegar aos quarenta. Quer saber de uma coisa? Não agüento mais!

Entra o vendedor:

VENDEDOR: – Seu HAROLDO, quanto posso dar de desconto para o conjunto A723, para pagamento à vista? Já cheguei no nosso limite mas o cliente insiste, se eu não baixar o preço ele vai comprar em outro lugar.
HAROLDO: - Dá mais cinco por cento e se ele não quiser, pode ir pra puta que o pariu!

O vendedor sai e fecha a porta. HAROLDO está em pé, de costas para a platéia, olhando a fotografia do pai, descolorida e empoeirada.

HAROLDO: – Não sei há quanto tempo não tiram o pó dessa merda! (Caminha pela peça e guarda o gravador na gaveta. Pára diante do relógio) Nada acontece, nesta minha vida de merda. E se eu ligar para a Lucinda? Bem que ela anda me dando uns olhares mais longos... Mas e aí, ligo pra ela e digo o que? Convido pra ir a um motel? Já imaginou a bronca que dá, o escândalo, ela conta ao Roberto e para a Clarinha que dei em cima dela... Mas eu posso fazer diferente, o que é que eu poderia querer com ela, no meio da tarde? Alguma coisa assim, que não desse muito na vista, quem sabe invento que estou com um problema com a Clarinha e convido ela para um café, para pedir uns conselhos.... Não, não, isso é loucura! Vai dar o maior rolo....

Pega o telefone e discou para casa. Clarinha, sua esposa atende e ele, disfarçando a voz:

HAROLDO – Quem fala?
CLARINHA – Com quem deseja falar?
HAROLDO – Aí é da casa do HAROLDO? E você é Clarinha, a esposa dele?
CLARINHA – Sim... mas quem está falando... sua voz não é estranha...
HAROLDO– É claro, ele nunca falou de mim, para você.
CLARINHA – Mas eu...
HAROLDO – Provavelmente você nem sabe que eu existo – e desligou.

Sorri ao imaginar a cara de espanto de Clarinha, deixa passar a tarde e, na hora de sempre vai para casa. Clarinha não menciona o episódio.
Dia seguinte, mesmo tédio, mesmo fastio, mesma hora, HAROLDO liga para casa. Clarinha atendeu:

CLARINHA – Alô?
HAROLDO – É da casa do Haroldo? É você, Clarinha?
CLARINHA – Sim, sou eu. E você, quem é?
HAROLDO – Típico do Haroldo, ocultar a existência de seu irmão gêmeo. Também... a ovelha negra da família.
CLARINHA – Como é que é? Você é...
HAROLDO – Sim, Clarinha, sou o irmão gêmeo do Haroldo. Meu nome é Ovídio e há muitos anos saí da cidade. Andei pelo mundo inteiro.
CLARINHA – Mas como você me conhece?
HAROLDO – Eu estive no casamento de vocês. Disfarçado, é claro. Naquele tempo a Interpol me procurava...
CLARINHA – Ah, tá bom Haroldo, é você, reconheci tua voz! Não tem mais nada pra fazer?
HAROLDO – Não sou Haroldo, Clarinha. Acredite. Não sou o Haroldo, sou Ovídio, irmão gêmeo dele que, desde os dez anos, a família ocultou.
CLARINHA – E o que você quer agora? Aparece assim... já falou com ele?
HAROLDO – Não. Ainda não. Pretendo ir na loja, qualquer dia. Ele continua lá, vendendo os mesmos móveis que papai vendia antes...?
CLARINHA – Ouça, Ovídio, ou seja lá quem for, nós somos gente de bem, por favor não venha estragar nossa família.
HAROLDO – Lamento, Clarinha, mas vou estragar, sim. Quero você! Quero você desde o dia em que você casou com Haroldo. Depois de todos estes anos, minha paixão não esmoreceu e ontem, quando vi você, percebi que está mais linda do que nunca.
CLARINHA – Você me viu ontem? Onde? Como?
HAROLDO – Não se preocupe, Clarinha. Não estou seguindo você, mas queria vê-la novamente. Que linda mulher você se tornou. Aposto que o Haroldo nem nota a maravilha que ele tem em casa.
CLARINHA – Você está me encabulando, Ovídio.

Haroldo desligou o telefone, pensativo. Clarinha, diante do elogio, abriu as possibilidades ao chamá-lo de Ovídio.
Ovídio, pensou, onde fora arrumar aquele nome? Caso tivesse um irmão, gêmeo ou não, seus pais jamais dariam aquele nome.
Divertiu-se com a situação. Há muito não se sentia estimulado. Mal pode aguentar até chegar a hora de ir para casa e observar a reação de Clarinha.
Dia após di, sempre no mesmo horário, Haroldo ligava para Clarinha. Ela, enlouquecida com a situação, insistia para encontrar ‘Ovídio’, mas ele sempre tinha uma desculpa, uma viagem de última hora para Bermudas, em busca de um documento secreto, ficar escondido em Amsterdã até “passar o impacto”. Contava histórias mirabolantes e não cansava de elogiar Clarinha, a beleza e a inteligência dela, criticando sistematicamente ‘o irmão’ pela vidinha sem graça que escolhera e obrigara Clarinha a viver.
“Você foi feita para as grandes aventuras, meu amor, você devia estar mergulhando nas águas transparentes do Grande Lago Dourado do Kazaquistão, em busca das famosas floreáceas azulis que valem fortunas no mercado negro de Istambul”
Clarinha suspirava, sua vida se transformou numa espera pelo telefonema de Ovídio enquanto, ao mesmo tempo, cada vez mais nutria enorme desprezo por Haroldo.
Este, por sua vez, embalado pelas histórias que inventava, sentia-se cada vez mais apaixonado por Clarinha e todos os dias, quando voltava para casa, alimentava a esperança de que ela falasse no assunto, o que nunca aconteceu.
Quanto tentava alguma investida, no leito conjugal, era brutalmente afastado e ouvia o resmungo de Clarinha:
– Chato, sem graça, o que foi que eu fiz para casar com tanta mediocridade.
Amuado, ele adormecia. Aos poucos, um insidioso sentimento tomou conta dele: ciúmes de Ovídio.
“Devo estar louco”, pensava, “Eu sou Ovídio, não posso estar com ciúmes de mim mesmo”.
Mas, a cada vez que Clarinha implorava por um encontro, ele se remoia, se retorcia, uma raiva surda a consumi-lo.
Até que, durante um jantar, em que Clarinha estava particularmente irritada, ele não aguentou mais:

HAROLDO – Quer dizer então que você anda falando com Ovídio.
Clarinha sentiu o coração disparar.

CLARINHA – Quem?
HAROLDO – Ovídio, meu bem, você sabe muito bem de quem estou falando.
CLARINHA (explodindo) – POIS fique sabendo que é verdade. Seu irmão gêmeo, o Ovídio, aquilo sim é que é homem de verdade. Perto dele você não passa de um pobre coitado, sentado o dia inteiro naquela loja empoeirada, vendendo cadeiras para velhotas! Ah, que tristeza! Por que não conheci Ovídio primeiro?
HAROLDO – Por uma razão muito simples, querida. Ovídio não existe.
CLARINHA – Como é que é? Como assim, não existe? Ele me liga todos os dias, na mesma hora e...
HAROLDO – Sou eu que ligo, Clarinha. Comecei como uma brincadeira e fui levando, para ver até onde ia. E você passou dos limites!!

Clarinha estava pálida:

CLARINHA – Então era você... bem que eu reconhecia a voz, mas achava que era por serem gêmeos. Ovídio não existe mesmo, não é?

Os olhos de Haroldo fumegavam:

HAROLDO – Não sua puta! Sua vagabunda! Não existe! Mas se existisse você estava prontinha para dar para ele, ordinária!
CLARINHA – E estava mesmo, cretino! Você acha que eu gosto desta vidinha, todos os dias a mesma coisa, as mesmas pessoas, as mesmas tarefas...
HAROLDO – E você acha que eu gosto da minha vidinha de vendedor de móveis? Eu quero a vida de Ovídio, aquilo sim é que é viver, o tempo todo enfrentando o perigo, viajando pelo mundo, parando nos melhores hotéis, freqüentando os Cassinos, mulheres deslumbrantes a minha volta...
CLARINHA – É... ia ser uma vida bem diferente, né? Você me contou tantas histórias, disse tantas coisas a meu respeito... você acha mesmo que eu deveria estar mergulhando no Grande Lago Dourado do Kasaquistão?

Haroldo olhou para ela. Sim. Ele achava. Clarinha estaria deslumbrante, de biquini, nas águas tépidas e transparentes...

HAROLDO – Se fosse com Ovídio você largava tudo e ia, não é? Vagabunda!
CLARINHA – Largava, sim! Largava tudo para me jogar nos braços daquele homem! E nunca mais ia olhar para tua cara, seu chato medíocre!
HAROLDO – Puta!
CLARINHA – Imbecil!

Ouve-se o som da campainha da porta da frente.

HAROLDO – Só que me falta, uma vista agora!
CLARINHA – Melhor do que ficar contigo na frente da TV.

Entra a empregada.

EMPREGADA – Dona Clarinha, tem um senhor lá fora procurando pela senhora. Ele disse que o nome dele é Ovídio, irmão gêmeo do ‘seu’ Haroldo, e que a senhora sabe do que se trata.

PANO SUPERSÔNICO

segunda-feira, 26 de abril de 2010

ESPETO CORRIDO, COLUNA DE HUGO CASSEL

Golpista

Muito se tem falado que, encastelado no poder e temeroso de que, perdendo a eleição venha a responder pelos abusos e crimes cometidos pela quadrilha que comanda, Lula fará o possível e o impossível para não entregar o governo a ninguém que não faça parte do esquema do PT. Circula assim, em vários setores do governo, a possível existência de um plano B de Lula, para perpetuação no poder, uma vez que o desempenho de Dilma no seu vôo solo não é dos mais animadores.
A jogada seria a seguinte: Lula renunciaria à Presidência e se candidataria a vice de Dilma. Esse plano maquiavélico permitiria que o atual capo pudesse subir ao palanque como candidato e desfrutar de seu alto ibope. Os grandes pensadores do PT, segundo o jornalista Cirilo Pontes, acreditam que assim Dilma obteria os votos suficientes para derrotar Serra.
Na segunda parte da maracutaia, Dilma depois de eleita e cumprir um breve estágio na Presidência, sempre "assessorada" por Lula, renunciaria ao cargo alegando motivos de saúde, confirmados facilmente pelos médicos oficiais. Afinal ela tem um histórico de enfermidade. Dessa forma Lula, muito "triste", seria "obrigado" a assumir a presidência, com direito legal de reeleição.
Resistam leitores aos calafrios de pensar em Lula por mais oito anos, tempo mais que suficiente para transformar o Brasil em mais uma República Bolivariana Comunista. Algumas coisas aparentemente sem importância parecem se encaixar: José Alencar desistiu de concorrer ao Senado; Henrique Meireles aceitou permanecer no Banco Central (ambos abriram mão se seus projetos pessoais a troco de que? De nada?). Dilma até agora oficialmente não tem vice (Michel Temer não foi oficializado e nem será tão cedo).
A Constituição permite que sejam feitas legalmente as trocas, bastando a Lula que renuncie seis meses antes da eleição. O parágrafo 6 reza o seguinte: "Para concorrerem a outros cargos, o presidente da República, os governadores de Estado e do Distrito Federal e os prefeitos, devem renunciar aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito" (Emenda Constitucional nº 16 de 1997).
Como se vê, seria isso a concretização do sonho petista do terceiro e quarto mandato de Lula, de forma "legal e democrática". A Copa do Mundo e a Olimpíada seriam o "fecho de ouro" para o Pinóquio Retirante e seus compromissos assumidos até 2018 com os PACs 3, 4, 5, 6, 7. 8 e quem sabe quantos mais, na ditadura civil implantada. Isto é, se algum general mais bem disposto não resolver acabar com a farra. Impossivel? Louco é quem duvida.

Ficha suja

Não importa que o Congresso engavete o "ficha suja". O povo sabe exatamente quem são eles e elas em toda parte, inclusive em Santa Catarina. Como acredito que ainda exista um pouco de vergonha, vamos mandar todos de volta para seu esgoto.

Moral

Um urubu estava sentado numa árvore, sem fazer nada o dia todo, e um coelho que o viu assim perguntou: "Posso sentar com você e ficar sem nada fazer o tempo todo?" O urubu respondeu: Claro! Porque não? O coelho sentou-se relaxado ao pé da árvore e ficou descansando. Subitamente apareceu uma raposa e nhoc! comeu o orelhudo.
Moral da história: "Para ficar sem fazer nada o tempo todo, é preciso estar sentado muito, muito alto (por exemplo num gabinete de Palácio, ou numa poltrona de avião a jato particular).

Advogados

Um deles pergunta ao outro: "Você sabe qual a diferença entre juizes de primeira instância e os de segunda?" Não. Qual é? Os de primeira pensam que são Deus. E os de segunda? "Bem. esses já têm certeza!".

sexta-feira, 23 de abril de 2010

COM A PALAVRA, EUCÁRDIO DEROSSO

SINDROME DA PSICOSE DA REVISÃO

Eucárdio Derrosso*
Por ter estudado muito a gramática, por ter feitorevisão de jornais e livros, atuado em diagramação, quase a vida inteira, adquiri com o tempo o que se pode denominar de síndrome ou psicose da revisão, isto, é,se você lê qualquer coisa, antes de tudo, presta atenção às regras gramaticais, à correçãoortográfica e à sintaxe textual. Depois, vem oconteúdo ou o teoria. É o espírito revisional, que acomete o cidadão acostumado a realizar revisão textual.E a gente mete a colher tentando arrumar o mundo, ou corrigir a gramática nesses casos.
Assim, por exemplo, se você passa num restaurante, na rua, ou lê qualquer cartaz, vê escrito, em livros e folhetos, jornais, e aparece um erro, por mínimo que seja, imperceptível ao público geral, a tendência é anotar o que está incorreto e, se possível, falar com a pessoa para acertar o erro.
Tem acontecido muitas vezes esses fatos, que até me dão seguidamente a pecha de metido, mas vou com jeito e, geralmente, as pessoas tratam o assunto com seriedade e atenção, entendendo o caso, mas existem aquelas que insistem e querem comprovar que seu erro está certo. Como num caso num restaurante em Taquara com relação ao bife à milanesa ou à parmeggiana, que a dona insistia em dizer que era parmagiana . Como se diz, vou até o Papa se acho que uma frase ou palavra está malescrita( ou será estão mal escritas?).
No caso dos elevadores, sempre me doía (ainda me fere osolhos) ver o erro quando avisa - “verifique se o mesmo encontra-se parado nesse andar”. Aí até um colega meu movimentou a Assembléia Legislativa e, agora, saiu uma lei corrigindo o erro de próclise do reflexivo. Para honra eglória da gramática nacional.
E tem o caso também no aeroporto quando a moça chama os passageiros, dizendo que o “avião já encontra-se na pista”, chamei reservadamente a sua atenção. Não ouvi se ela acertou o passo, pois peguei em seguida o voo(agora, sem acento). Outro caso: enviei algumas correções de erros gramaticais de um jornal que estava iniciando e, em agradecimento, o periódico me homenageoucom uma fotografia no dia o meu aniversário.
Bom ou mau esse costume?
Algumas vezes, quando há erros crassos, especialmente em propagandas de rua ou de lojas, até que vale a premissa de acertá-los. Pela correção textual. No entanto, em certos casos, e como existem pessoas que dizem que a gramática evolui, certas personalidades torcem o nariz e preferem continuar na ingnorância( aí está um erro clássico) ou na erritude ( uma palavra difícil e técnica).
Me perdoem, ou será perdoem-me?, se padeço desse mal que é a psicose da revisão. É que até agora não encontrei nem remédio nem médico que tratem dessa compulsão gramatical e revisional. Em conclusão: vou ter que levar essa síndrome pelas vidas afora.

*Jornalista e pós-graduado em Letras

quinta-feira, 22 de abril de 2010

CRÕNICAS SEM PÉ

FELIZES PARA SEMPRE

Paulo Wainberg


Quem lê minhas crônicas – e quem não lê também – sabe do meu rigor científico na abordagem das questões relevantes para mudar os rumos da Humanidade.
Meu método preferido é o da observação e síntese, contraponto ao sistema de análise reflexiva – ou atemporal – ou anacrônica – ou primitivamente especulativa..
Foi assim que, ao longo destas crônicas, apresentei incontáveis alternativas bombásticas que deveriam alterar regras morais, modus vivendi, novas formas de não compreender o incompreensível, deslumbrando estéticas alternativas em que o feio e o belo se unem para construir o monstruoso e o monstruoso e o terrível se fundem para reconstruir a arte e, quicas, o abominável.
Não raro, e a mercê do tema da pesquisa acrescento, à função de observador sintético, a condição pessoal de cobaia da pesquisa, submetendo-me à idênticas agruras da clientela, não por solidariedade, muito menos por caridade: apenas por honestidade pseudo-intelectual.
Provavelmente os que me lêem e, também, os que não me lêem, já devem ter percebido que o dia de hoje é especial e que estou prestes a revelar uma nova tese, absolutamente definitiva, que, devidamente apreciada, modificará os hábitos sexuais do mundo inteiro, inclusive das tribos primitivas de Arquijuriatuba, escondida na montanha sagrada de Funesto, em algum lugar do continente afro-asiático.
HAROLDO (recém transferido para o setor de Clarinha, na repartição: - O que você quer que eu faça com este memorando? (Cadela, pensou).
CLARINHA:- (Enfia no rabo, pensou.) Carimba, Haroldo, só carimba (imbecil).
HAROLDO:- Por que você mesma não carimbou? Precisa mandar isso pra mim?
CLARINHA:- Porque eu sou tua Chefe, Haroldo, entendeu, TUA CHEFE!

“Vadia desgraçada”, pensa Haroldo, com o zíper da bragueta.
“Idiota imprestável”, pensa Clarinha, com as alcinhas do sutiã.

É verdade, os dois se odiaram à primeira vista, desde o primeiro minuto do primeiro encontro do primeiro olhar que trocaram.

Há décadas, como observador sintético, estudo os casamentos. E, como cobaia, submeti-me a um que dura mais de quarenta anos, até que finalmente concluí a pesquisa, chegando ao resultado espetacular que hoje revelo.
Vi casamentos por amor à primeira vista, por amor, casamentos por dinheiro, por amizade, por genética, acompanhei casamentos na falta de coisa melhor, casamentos obrigatórios por causa da gravidez, casamentos programados pelos pais dos noivos antes mesmo deles serem concebidos, casamentos celebrados por questões religiosas e raciais, casamentos em troca de uma Diretoria, casamentos por paixões alucinadas, por tesões perfunctórias, por desesperos dramáticos, por inconstância, por constância, por falta de objetivos, por sobra de objetivos, casamentos com filhos, casamentos sem filhos e todo o cabedal de casamentos motivados por todo o cabedal de razões que a espécie vem cultivando, século após século, ano após ano, mês após mês, dia após dia, hora após hora. E minuto após minuto!
Lá no meu íntimo, pressionado pela pesquisa incessante que não me deixava dormir nem ficar acordado, eu sabia que faltava alguma coisa, que tinha de existir uma motivação maior, poderosa, intransponível, superior, mitológica e absurdamente imperativa para o casamento e que, por mais que eu tentasse, se me escapava à compreensão.
E os anos se passaram, eu ali, observando e participando, como cobaia, da pesquisa.
Vi paixões fenecerem, amores ruírem, fortunas desabarem, famílias sucumbirem, tesões murcharem, filhos atrapalharem, religiões escafederem e... nada. Onde, quando, em que segmento da psicopatia humana estava o elo perdido, aquele que me faltava?
Até que recentemente, me ensaboando de alto a baixo no chuveiro, espremendo uma bolota no meu ombro que parecia ser um quisto sebáceo, tive uma epifania, uma revelação, no exato momento em que a espuma do sabonete entrou nos meus olhos, provocando uma ardência superlativa.
Mas é claro, como eu não me havia dado conta? Onde eu estava com a cabeça? Como eu era burro!!!

No fim do expediente, Clarinha e Haroldo, sem querer, entraram juntos no elevador:
HAROLDO:- “Cadela”, pensou.
CLARINHA:- “Imprestável! Inútil! Traste”, pensou.

O elevador chega ao térreo e os dois saem, lado a lado:
HAROLDO:- Você está indo para onde, desgraçada?
CLARINHA:- Não é da tua conta, vagabundo!
HAROLDO:- Então um drinque está fora de cogitação? Ordinária! Mulherzinha barata!
CLARINHA:- E por que estaria? Só você sabe o que é bom ou que é ruim? Arrogante! Narcisista! Sifilítico!
HAROLDO:- Então vamos tomar chope, vadia!
CLARINHA:- Vamos, esquizofrênico!

Então! Estava ali a resposta, bem diante dos meus olhos e eu, idiota, não me dera conta: O casamento por ódio!!! Exatamente, você que me lê e você que não me lê, o casamento por ódio!
Os outros tipos de casamento são repletos de problemas, incompreensões, relações discutíveis, intransigências, exigências, proficiências, desencontros, raivas fugazes e desgostos perpétuos.
Mas o casamento por ódio não! Desde o começo os nubentes sabem o que os espera, qual o terrível caminho que irão percorrer, sem ilusões, fantasias, cobranças e decepções.
Eles se odeiam, portanto qualquer coisa boa que acontecer atingirá nove pontos na escala Richter e o que vier de ruim não será surpresa para ninguém.
O casamento por ódio produz filhos saudáveis, ajustados, bons alunos, raramente dão problemas.
No casamento por ódio a traição é inconcebível pois os dois se odeiam tanto que não admitem dar ao outro o gostinho de ser enganado.

HAROLDO:- Vamos tomar mais um, pústula?
CLARINHA:- O último, então, animal!
HAROLDO:- Posso te fazer uma pergunta? Quer casar comigo?
CLARINHA:- Claro que quero.
HAROLDO:- Desgraçada!
CLARINHA:- Miserável!

E viveram se odiando e felizes para sempre.