sexta-feira, 30 de abril de 2010

COM A PALAVRA, PAULO MARINHO

Álbum de fotografias

Paulo Marinho

Foi Günter Grass, quem me deu a idéia. À página 55 de seu memorável Die Blechtommel, de 1959, disse-me: Que romance – ou que outra coisa no mundo – poderia ter a dimensão épica de um álbum de fotografias? Pensei no nobel de literatura que o escritor alemão ganhara a pouco, justamente por este livro, O Tambor. Fica evidente que uma obra que contenha uma frase desta, por pura justiça, há de garantir um nobel. É verdade! Não há prova concorrente capaz de fazer frente a um punhado de fotografias ordenadas num álbum. Como borboletas espetadas no feltro, concretas e visíveis, os retratos sintetizam histórias inteiras. Tanto pode ser a construção da casa nova, registrada passo a passo, do alicerce ao telhado, quanto a saga da família, desde o flagrante extraordinário do trisavô imigrante no porto, até um instantâneo digital seu, de bermudão no carnaval.

Para ratificar esta premissa, abro um dos velhos álbuns de fotografias da família. Vejo que as modas mudam. Tem eu de pantalona. Eu mais gordo. O finado Jurandir posa com os indicadores espetados para o alto, numa festa de igreja. Em preto e branco. Aqui e ali aparecem caras amareladas, paisagens indefinidas. Numa foto tremidíssima, um desconhecido segura algo que tanto pode ser um peixe, como uma fruta. Ao seu lado um outro vivente, que suponho ser meu pai, sorri para a lente. Tomando conta de uma página inteira, meu avô. Monta um cavalo, o vô. No coldre, o revolvão. Dois negrinhos seguram a montaria pelas rédeas. Na próxima folha, meus irmãos mais velhos em Torres. As calças curtas, os cabelos escovinha. Olhos arregalados. Minha irmã segura a saia. O tio Biléu está sentado mais atrás, picando fumo. Tem os pés descalços. Não sei porque, mas mesmo em segundo plano, rouba a cena.

Eu de chuca-chuca. Minha única foto na primeira infância. Depois, no dia da comunhão. De gravata borboleta, camisa Volta-ao-Mundo e tergalina azul-marinho. O Garibaldo! Nem lembrava que tinha uma foto do Garibaldo, o cachorro mas querido da família. O retrato foi feito de surpresa, com ele querendo emprenhar a perna da dona Minaca. Uma foto – épica – mostra o primeiro quadro do time do Cubla estreando o fardamento novo. No cantinho esquerdo, o bico verde, o fusquinha do seu Bebê, quase zero. Eu com meus orelhões de abano e a turma do quartel, chapinhando no barral, idiotamente feliz. 1961, 75, 80, 82... Ah, não fosse o álbum de fotografias seríamos todos como o Darcanssauro Félix, réptil pré-histórico que acabo de inventar, o qual passou pela terra, sem deixar vestígios.

Nem nos damos conta, mas temos na gaveta um importante memorial. Tão importante que, pensando bem, deveria era repousar na sala, bem ao lado daquele vaso caro. Com luz incidental e tudo, sim senhor!

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