quinta-feira, 22 de abril de 2010

CRÕNICAS SEM PÉ

FELIZES PARA SEMPRE

Paulo Wainberg


Quem lê minhas crônicas – e quem não lê também – sabe do meu rigor científico na abordagem das questões relevantes para mudar os rumos da Humanidade.
Meu método preferido é o da observação e síntese, contraponto ao sistema de análise reflexiva – ou atemporal – ou anacrônica – ou primitivamente especulativa..
Foi assim que, ao longo destas crônicas, apresentei incontáveis alternativas bombásticas que deveriam alterar regras morais, modus vivendi, novas formas de não compreender o incompreensível, deslumbrando estéticas alternativas em que o feio e o belo se unem para construir o monstruoso e o monstruoso e o terrível se fundem para reconstruir a arte e, quicas, o abominável.
Não raro, e a mercê do tema da pesquisa acrescento, à função de observador sintético, a condição pessoal de cobaia da pesquisa, submetendo-me à idênticas agruras da clientela, não por solidariedade, muito menos por caridade: apenas por honestidade pseudo-intelectual.
Provavelmente os que me lêem e, também, os que não me lêem, já devem ter percebido que o dia de hoje é especial e que estou prestes a revelar uma nova tese, absolutamente definitiva, que, devidamente apreciada, modificará os hábitos sexuais do mundo inteiro, inclusive das tribos primitivas de Arquijuriatuba, escondida na montanha sagrada de Funesto, em algum lugar do continente afro-asiático.
HAROLDO (recém transferido para o setor de Clarinha, na repartição: - O que você quer que eu faça com este memorando? (Cadela, pensou).
CLARINHA:- (Enfia no rabo, pensou.) Carimba, Haroldo, só carimba (imbecil).
HAROLDO:- Por que você mesma não carimbou? Precisa mandar isso pra mim?
CLARINHA:- Porque eu sou tua Chefe, Haroldo, entendeu, TUA CHEFE!

“Vadia desgraçada”, pensa Haroldo, com o zíper da bragueta.
“Idiota imprestável”, pensa Clarinha, com as alcinhas do sutiã.

É verdade, os dois se odiaram à primeira vista, desde o primeiro minuto do primeiro encontro do primeiro olhar que trocaram.

Há décadas, como observador sintético, estudo os casamentos. E, como cobaia, submeti-me a um que dura mais de quarenta anos, até que finalmente concluí a pesquisa, chegando ao resultado espetacular que hoje revelo.
Vi casamentos por amor à primeira vista, por amor, casamentos por dinheiro, por amizade, por genética, acompanhei casamentos na falta de coisa melhor, casamentos obrigatórios por causa da gravidez, casamentos programados pelos pais dos noivos antes mesmo deles serem concebidos, casamentos celebrados por questões religiosas e raciais, casamentos em troca de uma Diretoria, casamentos por paixões alucinadas, por tesões perfunctórias, por desesperos dramáticos, por inconstância, por constância, por falta de objetivos, por sobra de objetivos, casamentos com filhos, casamentos sem filhos e todo o cabedal de casamentos motivados por todo o cabedal de razões que a espécie vem cultivando, século após século, ano após ano, mês após mês, dia após dia, hora após hora. E minuto após minuto!
Lá no meu íntimo, pressionado pela pesquisa incessante que não me deixava dormir nem ficar acordado, eu sabia que faltava alguma coisa, que tinha de existir uma motivação maior, poderosa, intransponível, superior, mitológica e absurdamente imperativa para o casamento e que, por mais que eu tentasse, se me escapava à compreensão.
E os anos se passaram, eu ali, observando e participando, como cobaia, da pesquisa.
Vi paixões fenecerem, amores ruírem, fortunas desabarem, famílias sucumbirem, tesões murcharem, filhos atrapalharem, religiões escafederem e... nada. Onde, quando, em que segmento da psicopatia humana estava o elo perdido, aquele que me faltava?
Até que recentemente, me ensaboando de alto a baixo no chuveiro, espremendo uma bolota no meu ombro que parecia ser um quisto sebáceo, tive uma epifania, uma revelação, no exato momento em que a espuma do sabonete entrou nos meus olhos, provocando uma ardência superlativa.
Mas é claro, como eu não me havia dado conta? Onde eu estava com a cabeça? Como eu era burro!!!

No fim do expediente, Clarinha e Haroldo, sem querer, entraram juntos no elevador:
HAROLDO:- “Cadela”, pensou.
CLARINHA:- “Imprestável! Inútil! Traste”, pensou.

O elevador chega ao térreo e os dois saem, lado a lado:
HAROLDO:- Você está indo para onde, desgraçada?
CLARINHA:- Não é da tua conta, vagabundo!
HAROLDO:- Então um drinque está fora de cogitação? Ordinária! Mulherzinha barata!
CLARINHA:- E por que estaria? Só você sabe o que é bom ou que é ruim? Arrogante! Narcisista! Sifilítico!
HAROLDO:- Então vamos tomar chope, vadia!
CLARINHA:- Vamos, esquizofrênico!

Então! Estava ali a resposta, bem diante dos meus olhos e eu, idiota, não me dera conta: O casamento por ódio!!! Exatamente, você que me lê e você que não me lê, o casamento por ódio!
Os outros tipos de casamento são repletos de problemas, incompreensões, relações discutíveis, intransigências, exigências, proficiências, desencontros, raivas fugazes e desgostos perpétuos.
Mas o casamento por ódio não! Desde o começo os nubentes sabem o que os espera, qual o terrível caminho que irão percorrer, sem ilusões, fantasias, cobranças e decepções.
Eles se odeiam, portanto qualquer coisa boa que acontecer atingirá nove pontos na escala Richter e o que vier de ruim não será surpresa para ninguém.
O casamento por ódio produz filhos saudáveis, ajustados, bons alunos, raramente dão problemas.
No casamento por ódio a traição é inconcebível pois os dois se odeiam tanto que não admitem dar ao outro o gostinho de ser enganado.

HAROLDO:- Vamos tomar mais um, pústula?
CLARINHA:- O último, então, animal!
HAROLDO:- Posso te fazer uma pergunta? Quer casar comigo?
CLARINHA:- Claro que quero.
HAROLDO:- Desgraçada!
CLARINHA:- Miserável!

E viveram se odiando e felizes para sempre.

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