quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

COLUNA DO PAULO WAINBERG

ELOIR VAI FUNDO
Paulo Wainberg

Como sempre faz na hora agá, Eloir passou a narrativa para este que vos fala. Quem sou eu? O biógrafo, é claro, um homem que dedica sua vida a contar as notáveis façanhas desse policial sui generis, como já fez nos casos do Carrilhão Quebrado e de Um Susto na Escuridão, mesmo com o custo de duas dentaduras novas.
É que Eloir não me suporta, lamento dizer. E costuma demonstrar-me isso mediante o uso de seu vigor físico e socos na cara.
Mas não me importo, não sou como certos biógrafos que se anulam para exaltar o gênio dos biografados, como aquele inglês elementar, o segundo mais conhecido no mundo.
Como sempre acontecia Eloir chegou ao Perfidu’s em horário de aula e todas as virgens estavam em classe. Contentou-se com três das antigas e tarimbadas o que não lhe desagradou totalmente, porque estava impaciente com o caso do cossaco e não queria perder tempo com defloramentos.
Satisfeito, voltou aos seus domínios, onde conhecia cada passo do camelo, cada marca de bicicleta e cada meandro marginal: as ruas.
Depois de duas bofetadas na cara de Xoxô, seu antigo informante e amigo, Eloir recomendou:
- Desembucha, Xoxô!
Antes da resposta desferiu outras duas bofetadas para clarear as idéias de Xoxô, soltou-lhe o pescoço e manteve uma mão no peito do rapaz, ancorando-lhe as costas contra a parede de tijolos, no beco, pressionando de leve, o suficiente para Xoxô mal conseguir respirar:
- Não sei de nada Inspetor, juro, estou limpo cara, fock you!
Eloir ergueu a sobrancelha direita, estreitando ainda mais sua estreita testa. Seu olhar era fino como um bisturi, frio como um pé descalço no gelo, ameaçador como um corno de javali.
- O cossaco, Xoxô, abre o bico bastardo, qual é a do cossaco? Você me conhece, moleque, não me queira como inimigo! Desembucha de uma vez!
- Cossaco? Que cossaco, Inspetor? Não se de nada, juro, não sei de cossaco nenhum, cara.... tudo bem, tudo bem, estou me lembrando, o senhor está falando do cossaco? Aquele cossaco?
- Hehehe....
- Aquele que é amigo do deputado? Que vende dvd pirata de campanha eleitoral para vereador?
- Hehehe...
- Não sei nada dele, Inspetor, juro pela alma do meu avô.
Eloir era assim, mas era assim que ele era. Duro por dentro e mole por fora. Desferiu mais duas bofetadas e liberou Xoxô. O pobre diabo nada sabia, isso era evidente.
Havia um algo, um algo insistente, um algo com consistência, um algo com vida própria, emoções e sentimentos, que martelava a cabeça do Inspetor Eloir com a insistência de um vendedor de cortador de gramas. Que algo era esse? Perguntava-se Eloir, a si mesmo e a todos os botões de sua camisa, inclusive um que estava faltando embaixo do umbigo.
O Inspetor Eloir, lenda viva do Departamento, havia aprendido da pior forma a confiar nos seus algos. Porque seus algos sempre tinham alguma coisa a lhe dizer. E para descobrir ele tinha que ser atencioso, dar carinho, oferecer amparo e solidariedade pois, como ele dizia, algos também são gente.
Voltou ao departamento, sentou em frente ao seu computador e começou a jogar paciência, método novo de investigação que adotara, depois que descobriram o computador.
Mal conteve um sorriso ao lembrar que sobre aquilo o Velho Sargento nada lhe disse pois, naquela época, não existia computador. Mas Eloir sabia, ah como ele sabia, o que o Velho Sargento, que por ser anão jamais jogara bilhar, teria a lhe dizer: - Paciência, imbecil, é inimiga da pressa!
Duas horas e dez jogos sem vitória mais tarde Eloir desligou o computador e deu um berro.
Os berros do Inspetor Eloir eram famosos e produziam estragos. No berro anterior as autoridades sanitárias procuraram por meses pelo louco que havia realizado uma chacina nos porcos da cidade.
Naquele berro o efeito foi menor e somente duas freiras abandonaram o Hábito.
(CONTINUA AMANHÃ)

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