quarta-feira, 4 de março de 2009

COLUNA DO PAULO WAINBERG

Crônicas adventícias

VOLTANDO AOS POUCOS
Paulo Wainberg

Quem acreditou por um segundo sequer que estava livre para sempre das minhas crônicas (sorriso sardônico), enganou-se redondamente.
Eis me aqui, como o boêmio, de regresso, a atazanar sua vida, a encher suas caixa postal, os antigos já sabem que tem que pedir para sair e, para os novos, aviso agora porque, como se sabe, quem cala consente.
Na verdade e falando sério, quem sentiu falta de vocês fui eu, palavra de honra. Mas precisei dar um tempo, sabe como é?, distância as vezes é bom para fortalecer a proximidade.
E sem delongas vou logo contando que tive uma magnífica experiência neste mês de fevereiro, que raras pessoas tem a oportunidade de vivenciar e as que tem não podem adiar mais.
Durante sete dias, vivi num formigueiro!
Exatamente, meu querido, rodeado de formigas, agindo como formiga, bebendo e comendo do bom e do melhor porque, se a metáfora é boa, o conjunto da obra também é.
Fizemos, minha senhôura e eu, um cruzeiro de navio que começou num sábado no Rio de Janeiro, parou em Maceió, voltou para Salvador e terminou no outro sábado, no mesmo Rio de Janeiro.
Lá dentro, tudo de bom o tempo inteiro, vinte e quatro horas por dia, as comidas, as bebidas, a piscina, o piano-bar, o cassino, as boates, os shows, os atendentes, o mar, o céu, a brisa, os animadores, as brincadeiras, os dois livros que li (os dois últimos volumes de Os Reis Malditos que ganhei de minha amiga Rosemary da Ed. Bertrand), o camarote, a vista, as cidades e, é claro, as formigas.
Sim, formigas humanas é claro, espero que a metáfora tenha sido entendida lá em cima. Durante as 24 horas do dia, a bordo, tem pessoas indo e vindo, subindo e descendo dos elevadores, caminhando numa ou noutra direção, pelos corredores por onde houver espaço.
Eu e minha senhôura costumávamos sentar no convés da piscina, no décimo primeiro andar da embarcação, em confortáveis cadeiras de praia onde com um simples gesto alguém da tripulação nos trazia desde água até qualquer bebida, qualquer bebida, tudo de graça (incluído no pacote) e ali, placidamente gozando das delícias do ócio absoluto, a cada dia mais ficava claro em minha mente ensolarada como é a vida dentro de um formigueiro.
Não sou lá grande coisa em estatísticas nem muito afeito a elas mas éramos dois mil passageiros e seiscentos tripulantes a bordo, a bombordo e a estibordo, acima, no meio e em baixo, nos elevadores e na casa de máquinas, nos camarotes e nos banheiros.
E todos nos movíamos, mais cedo ou mais tarde.
As formigas estão sempre em movimento, andam em filas indianas, indo e vindo sem razão aparente, param algumas e trocam antenas, seguem adiantam ou voltam de onde vinham mas não param nunca.
Sabemos, graças aos estudos dos outros, que existe um propósito no andar das formigas. Assim como existe um propósito no andar das pessoas num navio: elas estão indo para ou vindo de algum lugar. Isto é certo. O que, no caso do navio é uma vantagem porque se todos fossem para um mesmo lugar ao mesmo tempo, sei não, acho que não ia caber.
Por duas noites tentei subir ao convés superior para romanticamente olhar o céu e o mar, mas fui impedido pelo forte e quente vento que tirava o romantismo, estragava os cabelos e, bom, era bem desagradável.
Numa outra noite, andando sozinho pela embarcação (minha senhôura já se recolhera) fui fumar um cigarro apoiado na balaustrada do deck seis, mais pertinho do mar e protegido do vento.
Tal qual Gary Grant em Suplício de uma Saudade, imaginei que em poucos minutos Debora Kerr estaria ao meu lado, tomaríamos uma taça de champanha e viveríamos um tórrido romance momentaneamente interrompido porque ela deixaria de comparecer ao encontro marcado na frente do Edifício União, na Borges de Medeiros aqui em Porto Alegre.
Qual o quê. Durante a viagem aqueles foram os únicos minutos em que ninguém, absolutamente ninguém apareceu indo ou vindo de algum lugar. As formigas dormiam, no deck seis.
No cômputo geral, adorei o passeio. Só o mar – quando se está sobre ele – produz efeito tão relaxante, assim tão calmante e acalentador. Ali de cima do navio, suavemente a mercê das ondas sensuais do oceano, os pensamentos abrandam e a imaginação flui, a gente não precisa fazer nenhum esforço.
Eu vou de novo, isto é certo. E, para quem não foi, recomendo.
O bom da viagem é voltar para casa e encontrar tudo bem. E posso assegurar que, tirando os problemas, encontrei tudo bem. E, porque está tudo bem, recomeço hoje a enviar estas crônicas que, acreditem ou não, é uma forma de contato, um jeito de dizer que estou aí e que é muito, mas muito bom ter com quem falar.

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