sexta-feira, 13 de março de 2009

COLUNA DO PAULO WAINBERG

A POEIRA DO AMOR
Paulo Wainberg


Um asteróide de dez andares passou a setenta dois mil quilômetros da terra na semana passada, sabia? Setenta e dois mil quilômetros! Logo ali, dobrando a esquina. E só viram que o bólido vinha em nossa direção dois dias antes!
Onde estão os enamorados que olham as estrelas? Os sonhadores cujas noites são embriagadas de luar? Os visionários a profetizar desastres? Os loucos de todo gênero, assim como eu, a mastigar poeira dos astros, alimentando egos ensandecidos e almas inexistentes? Os poetas parnasianos que conversam com as estrelas e recriminam os que não amam?
Ninguém viu, ninguém percebeu.
Dos astrônomos nem falo, que para eles a fantasia se mede em cálculos, logaritmos e física quântica, quase nenhum tempo lhes sobra para abstrações românticas e sonhos pueris.
Será que devo perder minha fé na poesia? Justamente eu, que ao longo das poucas décadas que me cabe na existência, acreditei piamente em sonhos, em amor, em paixão?
Porque, se isto acontecer, restará apenas a fria realidade, sem graça e repetida, que me fará abdicar numa derrocada fatal, sem sentido e inútil.
Tão grave e destruidora quanto o choque do asteróide aqui conosco. Tivemos sorte, estávamos em março quando ele passou. Se fosse abril estaríamos mais adiantados no cosmos e a colisão, portanto, inevitável. Dez milhões de metros quadrados devastados seriam mais ou menos do tamanho de meu coração desiludido, se desistir da poesia, dos poetas, portanto dos sonhos.
Dizem os mais cultos que a probabilidade desse choque acontecer é infinita. E eu, de baixo de minha ignorância, digo que não, não é infinita. Ao contrário é bem finita, tão finita quanto a descrença que me aguarda logo ali, a bem menos de setenta e dois mil quilômetros. Na verdade, a menos de dois quilômetros, tamanha é a desilusão que provoca minha bílis, meu fel e meus outros piores humores.
Entretanto prefiro acreditar que um asteróide não se chocará conosco, não nos devastará nem transformará em poeira nossas óperas, nossos livros e nossos quadros. Nosso carnaval e nosso futebol. Nossa alegria, nossa paixão e nossos netos.
A poeira dos tempos é trágica, muito mais que dramática. Há quem diga que a estrela de Belém foi a morte de um sistema solar que dizimou uma civilização meio assim, como a nossa. Da qual nada sobrou a não ser um raio de luz percebido há dois mil anos pelos rudes de então.
Há quem diga que a estrela de Belém foi um asteróide de oitenta e dois andares que passou a trinta e seis mil quilômetros de nós, cujos farelos incandescentes respingaram sobre as carecas dos romanos, dos rabinos e dos pescadores.
Eu não sei e - sinceramente? - não quero saber. Para mim interessa acreditar que a NASA e a Agência Espacial Russa tenham mísseis capazes de destruir, devastar, esmigalhar e pulverizar um asteróide assassino que se aproxime de nós e nos transforme e uma outra estrela de Belém a comemorar o nascimento de um outro Salvador numa distante galáxia, num planeta incipiente e carente de divindade, esperança e fé.
Coisa que, evidentemente, as agências espaciais da civilização então destruída não conseguiram.
Mas... o que posso dizer nestes tempos modernos em que ninguém percebe um asteróide chegando e se pune a vítima de um estupro incestuoso, encomendando-lhe a alma aos horrores infernais eternos?
Terei ainda como ouvir estrelas, como recomendou o poeta? Como seria possível amar para entendê-las se, a qualquer momento um bólido sideral pode demonstrar que tudo é inútil, tudo é fútil, tudo á passageiro, temporário e sem sentido?
Resta-me lamentar que os rastros brilhantes do astro celeste não estiveram ao dispor dos olhares inadvertidos, dos desejos dos amantes e dos corações febris.
Caso os tivesse visto não me ocorreriam imagens de hecatombes, imerso que estaria nas luzes fulgurantes que, como a espuma do mar ao sol, espargem a beleza aos quatro ventos, basta ter olhos para ver, basta de amor para sentir.

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