terça-feira, 17 de novembro de 2009

CRÔNICAS INDIGNADAS

FOME!!
Paulo Wainberg


Li que o diretor da FAO, entidade da ONU que se preocupa com a questão dos alimentos para a Humanidade, está convocando um jejum planetário em solidariedade aos desnutridos.
Mas o que é isso? Onde é que nós estamos?
O homem, ao invés de nutrir os desnutridos que desnutrir os nutridos!!!
Quer irmanar a Humanidade na fome!
Montemos o cenário condizente com a proposta da FAO: no sábado ninguém, absolutamente ninguém no planeta Terra, come. Inclusive os desnutridos, hein!
Os desnutridos habituais vão vibrar de alegria, afinal não são eles, apenas, que não tem comida para comer. São capazes de sair pelas ruas das cidades, pelas avenidas das metrópoles, pelos parques, no hipódromo, na saída dos cinemas, nos cassinos de Monte Carlo, e na porta dos restaurantes vazios, abraçando, beijando e dançando com o novos desnutridos, aqueles que jejuaram em favor deles.
No dia seguinte, domingo portanto, cada desnutrido contará aos seus descendentes desnutridos, que no sábado histórico do jejum universal eles foram, finalmente, reconhecidos, aderidos e solidarizados.
Os jejuadores, por sua vez, tomarão seus fartos cafés da manhã com a sensação do dever cumprido, alegres e enaltecidos pelo gesto, a auto-estima lá em cima e, o que é o melhor de tudo, com a certeza de ter feito a sua parte, alguém que tome conta do assunto e vá nutrir os desnutridos.
Quem fará isso?
É o que pergunto ao diretor da FAO, idealizador do movimento.
Não sei a razão mas me ocorreram, de súbito, certas ideologias que pregam o empobrecimento geral e não o enriquecimento coletivo.
A grande questão que quero colocar a você, pessoa inteligente, é a seguinte: No dia do jejum, você irá confraternizar com os desnutridos? Você irá, por exemplo, ao encontro do seu mendigo de estimação para abraçá-lo e dizer:
– Meu amigo, você não está passando fome sozinho. Eu, em solidariedade a você, hoje também estou passando fome.
E, caso você tome essa atitude, qual a reação que espera do desnutrido por você abraçado? Quer que ele dance de alegria? Que ele agradeça seu gesto? Quem sabe ele o convida para uma parceria permanente, algo assim como: irmãos na fome?
E faço este alerta considerando que, obviamente, você não vai ficar jejuando em casa, sem nenhum desnutrido saber da grandiosidade de sua atitude.
Era só o que faltava! O planeta inteiro jejuando em solidariedade aos desnutridos e os desnutridos nem aí, porque nenhum jejuador se lembrou de avisá-los.
Não sei por que, me lembrei das festas beneficentes em favor dos pobres que, como todo mundo sabe, não lêem as colunas sociais dos jornais. Patrões e patronesses convocam seus amigos ricos para um jantar num clube da moda ou da tradição, a, por exemplo, quinhentos reais o talher. Jantar caro, concordo, mas quem irá perder a oportunidade de comparecer, ser fotografado e televisionado, bonitos, as patronesses trajando vestidos alta-costura, drinques variados, especialmente espumantes estrangeiros? Um espetáculo! Porém, ninguém se lembra de avisar os pobres que são, assim, totalmente excluídos da festa feita em favor deles. Você não encontra um único pobre na festa.
Voltemos ao dia do jejum, preconizado pelo diretor da FAO.
Nós, judeus, jejuamos um dia inteiro por ano, no conhecido Dia do Perdão. Jejuamos por auto-punição pelos pecados cometidos no ano que passou. Jejuamos pela compreensão da natureza humana que nos leva a perdoar os erros e pecados dos outros. Jejuamos para a obtenção de um perdão, coletivo e divino.
O jejum da FAO não leva nada disso em consideração. É um jejum de alerta, um jejum de conscientização: você, pessoa inteligente, que não sabe que existem milhões e milhões de subnutridos e desnutridos no Planeta, jejuando saberá.
Será que o diretor da FAO espera que cada habitante nutrido do planeta destine um prato de comida aos desnutridos? E, com essa atitude universal, pensa que resolve o problema da fome? Um prato de comida?!!!
Propostas dessa natureza, inócuas, hipócritas e cínicas, apenas ajudam a preservar o assim denominado ‘status quo’. Nada resolvem, não apontam caminhos de solução, não alertam nem conscientizam ninguém.
Tal qual os jantares beneficentes!
A verdade, a verdade mais verdadeira de todas, é que não existe, no Planeta Terra, um único motivo para que alguém passe fome, seja ignorante ou subnutrido.
A não ser o desejo dos próprios seres humanos...
Temos recursos naturais, temos tecnologia, temos dinheiro suficiente para prover a Humanidade de todas as suas necessidades vitais, desde a alimentação até a saúde, educação, lazer e digna vida.
Podemos, porque podemos, ora bolas!, acabar com as misérias africanas, asiáticas, americanas, européias, podemos, onde houver um ser humano, proporcionar-lhe dignidade vital.
A Humanidade está a um passo daquilo que todos os governantes alegam almejar, que todo o indivíduo diz ambicionar: a paz e o crescimento universal.
Temos o equipamento para isso, temos os fundamentos filosóficos para isso, temos a crítica ética para isso. Só não temos, ainda, uma verdadeira vontade para isso!
Portanto, senhor diretor da FAO, se alguma contribuição eu possa humildemente lhe ofertar, aí vai: desista do jejum em favor dos desnutridos e implante uma política internacional para nutri-los.
Repito, indignado: não há nenhuma razão para que um único habitante deste planeta passe fome.

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