quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

NÓS, PRIMATAS

ELEGIA PARA UM AMOR QUE NÃO MORREU
João Eichbaum

A toalha com que ela se enxugou depois do último banho, depois do último amor, naquela tarde escaldante de dezembro, ainda está lá, pendurada sobre a porta do box, tal qual ela deixou, intocada.
A cama, que ela compôs cuidadosamente, deixando de propósito as dobras que, se fossem desfeitas, denunciariam, no lençol, uma eventual infidelidade, ainda está lá, impregnada com os suores do último amor.
Os pratos, os copos, os talheres que ela lavou depois daquele almoço, regado com o vinho branco que a fez sorrir durante o tempo todo, ainda estão lá sobre a pia, na mesma ordem em que ela os deixou, para denunciarem uma eventual infidelidade, se fossem trocados de lugar.
Só que ela nunca mais voltou, e ele é obrigado a conviver com todas as coisas no lugar e ainda com marca de seus passos, de seu sorriso, com a voz dela, que fala no silêncio, com o passado que não o liberta, agarrando-o pelas costas e impedindo-o de procurar outro destino.
Quando sai à rua, a rua onde trilharam inúmeras vezes, a sensação que o domina é de que a perdeu de vista momentaneamente, e se volta para trás, na esperança de que a despedida dela não tenha passado de um sonho mau e passageiro.
No restaurante onde almoçavam às vezes, ele contempla desvanecido a mesa onde riam, discorriam sobre literatura e temas sociais, planejavam o futuro. Do café da esquina ele passa longe, para evitar que o vejam chorar.
No elevador do supermercado, com medo de ter de responder a uma pergunta sobre o paradeiro dela, ele procura evitar o olhar da ascensorista, a anãzinha que os recebia sempre com aquele sorriso cúmplice de quem compartilha da felicidade alheia e agora o vê sozinho.
Sob as pálpebras dele está sepultado o tesouro de uma felicidade que durou pouco, mas ainda custa muito. É o preço de sua fidelidade, o preço que está pagando por ter mantido os talheres, os pratos, os copos e as dobras do lençol no mesmo lugar.

Um comentário:

Nubia Graziela disse...

Você sabe fazer uma leitora chorar e olha: faziam uns meses que não conseguia derramar uma lágrima e com essa "poesia",foi inevitável não me emocionar.
Os verdadeiros romances marcam definitivamente um livro,e até mesmo um filme, como poderia mencionar vários mas não caberiam aqui porque já li muitos.
Se não me falta a memória parece que já ouvi falar sobre esta narração, que por sinal marcou minha vida. Bj