quarta-feira, 9 de março de 2011

CRÔNICAS DA VIDA

DUAS FACES DO CARNAVAL

João Eichbaum

A morte pegou carona num caminhão truck carregado de toras gigantescas de madeira e saiu estrada fora, às vésperas do carnaval.
Também, às vésperas do carnaval, um grupo de agricultores, alguns acompanhados da família, pegaram a estrada, tomados de alegria, para praticar um dos poucos prazeres que a vida, até então, lhes reservara: jogar bolão, festejar as vitórias, confraternizar-se com amigos, beber cerveja.
Numa curva da estrada foi que a morte resolveu se manifestar e mostrar porque havia pegado carona: por essas coisas que ninguém, certamente, vai explicar, o pesado veículo, transportando madeiras capotou e, impelido pelo peso, tomou a pista contrária, por onde trafegava o ônibus, transportando o grupo de agricultores do interior de Santo Cristo. O impacto foi inevitável, uma vez que a pista de rolamento estava sendo tomada inteiramente pela caminhão tombado e pelas toras de madeira que se despencavam sobre o alfalto.
Em conseqüência do choque morreram, ali mesmo, vinte e seis pessoas.
A notícia tomou conta de todas as manchetes do país, gerando uma consternação geral, despertando em todas as pessoas sensíveis uma comoção de perda.
Mas, para vender o produto do momento, a imprensa, principalmente a televisão, dividia o quadro horripilante de corpos mutilados, do desespero dos parentes das vítimas, dos sobreviventes, com as imagens de mulatas exibindo bumbuns, e das loiras deslumbrando o povão delirante nas passarelas de carnaval.
Dois contrastes que a ninguém podia passar despercebido. Duas faces da vida mostradas graças a esse período de um sentido ambíguo que ninguém sabe explicar, o carnaval.
O país inteiro pára, poucos trabalham, a maioria se embriaga, se desnuda, perde a vergonha, o senso do ridículo. Outros, como os agricultores do interior de Santo Cristo, aproveitam para diversões mais sadias.
Mas, em tudo, quer nas loucuras e no erotismo do carnaval, quer nos lazeres que dele diferem, a desgraça também está presente.
E não adiantam as hipócritas recomendações da lei e das autoridades de “se beber, não dirija”. Os agricultores, se é que beberam, não estavam dirigindo. O motorista de caminhão, que trazia a esposa em sua companhia, presumivelmente, não havia bebido. O mesmo se diga do motorista do ônibus.
Não adiantam admoestações, para evitar os acidentes de trânsito. A maior admoestação é a da morte estampada na imprensa. Se essa não servir como exemplo para reprimir excessos, tudo continuará como dantes, para cumprir a lei da natureza: o homem é o predador dele mesmo.
E o carnaval continuará exibindo suas duas faces: a do erotismo e a da morte. Tudo faz parte da vida. Sem vida, não há morte. Nem carnaval.

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