VIVA A MORTE!
João Eichbaum
Todo mundo vive como se não fosse morrer. Todo o mundo trata a morte como uma coisa remota e sempre adiável. Cada qual aproveita a vida a seu modo. Muitos, para sobreviverem. Outros, para terem o mínimo de conforto necessário. Alguns, para viverem com folga. Um número reduzido, mas muito significativo, para amealhar riquezas ou poder, ou ambas as coisas.
É claro que o objetivo primeiro é viver. Sem vida, nada acontece: nem sofrimento, nem prazer. Então, depois da luta pela vida, vem o plano B, que consiste, para alguns, em se livrar do sofrimento e, para outros, em intensificar o prazer.
Mas ninguém pensa na morte. Ninguém, é modo de dizer. A maioria das pessoas não só não tem tempo, como não alimenta qualquer projeto que lhe obrigue meditar sobre a morte. Nem mesmo quando seu frio sinistro se apodera de um ente querido. Nesse momentos de intensa dor, nos ocupamos da vida, retroagimos ao curso da vida, à cata de expedientes que poderiam nos ter poupado daquele sofrimento, ou emprestado mais sentido à vida de quem nos deixou.
Só os religiosos, os padres, os pastores, essa categoria profissional que vive, basicamente, dos efeitos da morte, é que gosta de estragar o prazer da gente, falando da finitude corporal e acenando para uma beatitude eterna, ou para a cremação continuada, aquela que começa no crematório e segue, para sempre, no inferno.
Mas, há quem viva, e lucre, exclusivamente graças à morte. Há empresas, cuja matéria prima, digamos assim, é a morte. Há, sim, os cupinchas da morte.
Começa com o pobrezinho do agente funerário, aquele que ganha comissão, se conseguir clientes para funerárias. Depois a funerária, propriamente dita, a empresa que paga imposto, tem alvará, fornece empregos, etc, graças à morte.
Tem o marceneiro que faz o caixão, o floricultor que fornece flores, tanto para a vida como para a morte, o metalúrgico que fabrica os parafusos e os adereços de metal com que se ornamentam os caixões, o coveiro que abre o buraco na terra, o pedreiro, o talhador de mármore e granito, o artista que elabora caracteres, enfim, essa gente miúda, que não viveria sem a morte.
E existem, é claro, os grandes empreendimentos: os crematórios, os cemitérios particulares, as empresas gigantes que lucram exclusivamente com a morte e proporcionam aos seus dirigentes prazeres diametralmente opostos ao conceito de morte.
Enfim, a morte, que é o fato mais pertinente à condição humana, tem vários nichos no mercado. Mas, nem os que tiram proveito de seu triunfo lúgubre se entregam a meditações sobre ela. Pelo contrário, se comportam nos seus negócios e nas suas profissões, como se a dita, maldita, não lhes dissesse respeito. Ou seja, voltando à primeira frase: vivem, como se não fossem morrer.
Mas é isso, gente: temos que viver para a vida e não para a morte. Nenhum sentido teria a vida, se vivêssemos, exclusivamente, em função da morte, como querem as religiões, vivendo na pobreza material e moral, extirpando os prazeres, ignorando o instinto mais forte, o que nos mantém vivos, que é o instinto de sobrevivência, comum a qualquer animal.
Portanto, viva a morte, nosso maior estímulo para que possamos viver mais intensamente, antes que a maldita venha nos fisgar.
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