ADUL
SAM-ON
João
Eichbaum
Uma
chuva torrencial sem pausa, sem alívio, inundou o acesso do complexo de
cavernas onde se encontravam doze meninos e seu treinador de futebol, na
Tailândia. Proscritos da vida, na
escuridão de noites de pedra, sem dia e sem estrelas, à mercê da umidade, com
temperatura de 30 graus e escasso oxigênio, eram vizinhos da morte. Mas,
heroicos mergulhadores, venciam uma travessia de 11 horas entre ida e volta, provendo-os
de alimento e oxigênio, e para não desperdiçar esperanças. Um desses heróis deu
sua vida pela causa dos meninos. O outro, um menino de 14 anos, chamado Adul
Sam-on, foi o instrumento da salvação de seus companheiros.
Desde
os seis anos de idade Adul é um apátrida. Mora ilegalmente na Tailândia, porque
o seu país natal, Mianmar, está entregue à guerra civil, ao contrabando de
drogas e à produção de ópio. Seus pais o tiraram de lá porque na Tailândia ele
teria melhor formação.
Graças
ao seu domínio do inglês, foi possível o contato com os mergulhadores
britânicos. Nenhum de seus companheiros de infortúnio teria essa capacidade. A
partir de suas primeiras informações, foram tomadas as providências necessárias
para o resgate do grupo. Ele é uma das muitas criaturas maravilhosas que vivem
na parte sombria da máquina infernal da sociedade. Além do inglês, Adul domina
o birmano, o chinês e o Wa, um dialeto de Mianmar. Como se tudo isso não
bastasse, é exímio jogador de futebol, toca piano e guitarra.
As
criaturas maravilhosas não estão nas manchetes. Os nomes das criaturas maravilhosas
não aparecem em letras garrafais na capa dos jornais, nem são pronunciados com
entonação importante nas chamadas de televisão. As criaturas maravilhosas não
servem como matéria para cadernos inteiros de assuntos banais. Ninguém se ocupa
das criaturas maravilhosas para dizer que elas sentiram uma fisgada na
panturrilha, que tiveram de operar um dedinho do pé, ou estão com resfriado.
O
mundo está do jeito que está, porque os homens, dominados por mentes viciadas e
malucas, não cultivam valores: cultivam vaidades, banalidades, superstições
enraizadas em deificações mitológicas. O mundo não vai dar certo, enquanto só o
banal contar como sucesso.
O
banal deforma e esvazia as criaturas. O banal, que mede a dignidade pelo
cifrão, não ensina as famílias a fazerem como os pais de Adul que, se
sobrepondo às turbulências da tragédia, enganaram a dor, escrevendo num
bilhetinho para o filho: “não esqueças de cumprimentar e agradecer polidamente
a cada um dos teus salvadores”.
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