sexta-feira, 13 de julho de 2018


ADUL SAM-ON
João Eichbaum
Uma chuva torrencial sem pausa, sem alívio, inundou o acesso do complexo de cavernas onde se encontravam doze meninos e seu treinador de futebol, na Tailândia.  Proscritos da vida, na escuridão de noites de pedra, sem dia e sem estrelas, à mercê da umidade, com temperatura de 30 graus e escasso oxigênio, eram vizinhos da morte. Mas, heroicos mergulhadores, venciam uma travessia de 11 horas entre ida e volta, provendo-os de alimento e oxigênio, e para não desperdiçar esperanças. Um desses heróis deu sua vida pela causa dos meninos. O outro, um menino de 14 anos, chamado Adul Sam-on, foi o instrumento da salvação de seus companheiros.
Desde os seis anos de idade Adul é um apátrida. Mora ilegalmente na Tailândia, porque o seu país natal, Mianmar, está entregue à guerra civil, ao contrabando de drogas e à produção de ópio. Seus pais o tiraram de lá porque na Tailândia ele teria melhor formação.
Graças ao seu domínio do inglês, foi possível o contato com os mergulhadores britânicos. Nenhum de seus companheiros de infortúnio teria essa capacidade. A partir de suas primeiras informações, foram tomadas as providências necessárias para o resgate do grupo. Ele é uma das muitas criaturas maravilhosas que vivem na parte sombria da máquina infernal da sociedade. Além do inglês, Adul domina o birmano, o chinês e o Wa, um dialeto de Mianmar. Como se tudo isso não bastasse, é exímio jogador de futebol, toca piano e guitarra.
As criaturas maravilhosas não estão nas manchetes. Os nomes das criaturas maravilhosas não aparecem em letras garrafais na capa dos jornais, nem são pronunciados com entonação importante nas chamadas de televisão. As criaturas maravilhosas não servem como matéria para cadernos inteiros de assuntos banais. Ninguém se ocupa das criaturas maravilhosas para dizer que elas sentiram uma fisgada na panturrilha, que tiveram de operar um dedinho do pé, ou estão com resfriado.
O mundo está do jeito que está, porque os homens, dominados por mentes viciadas e malucas, não cultivam valores: cultivam vaidades, banalidades, superstições enraizadas em deificações mitológicas. O mundo não vai dar certo, enquanto só o banal contar como sucesso.
O banal deforma e esvazia as criaturas. O banal, que mede a dignidade pelo cifrão, não ensina as famílias a fazerem como os pais de Adul que, se sobrepondo às turbulências da tragédia, enganaram a dor, escrevendo num bilhetinho para o filho: “não esqueças de cumprimentar e agradecer polidamente a cada um dos teus salvadores”.



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