terça-feira, 24 de julho de 2018


MALDITO  FRUTO DO TEU VENTRE
Mariléia Sell

Nesta semana, a pesquisadora e professora de direito da Universidade de Brasília, Bebora Diniz, recebeu ameaças de morte por seus posicionamentos sobre os direitos das mulheres. A professora é referência internacional em bioética e tem na sua pauta as agendas feministas, os direitos humanos e os direitos reprodutivos. Ela é reconhecida como uma das cem mais importantes pensadoras do mundo por seu trabalho sobre as grávidas que contraíram o zika vírus. Em suas palestras e entrevistas, ela tem defendido a descriminalização do aborto. Ou seja, ela é do demônio. Não fosse a vigilância de pessoas preocupadas com a vida, com os costumes e com a moral, provavelmente descambaríamos para a barbárie.

O debate sobre a descriminalização do aborto, no Brasil, é feito prioritariamente por homens, homens que fazem as leis, homens tementes a Deus, homens que misturam igreja e política, em franca inobservância da nossa legislação. Homens que controlam os discursos sobre os corpos e sobre as escolhas das mulheres desde o período neolítico. Homens que, baseados em sua experiência milenar, sabem que a realização da mulher se dá na maternidade e na domesticidade. Homens que comprovaram, na ciência do século XIX, que as mulheres são seres não pensantes, justamente por terem um útero. Por isso mesmo, os homens é que pensam por elas. A eles cabe a elevada tarefa dos contratos sociais!

No Brasil, as mulheres podem interromper a gravidez somente em três situações:  em casos de estupro, risco de morte para a mãe, ou diagnóstico de anencefalia. Abortos que extrapolem esse espectro são considerados crime e dão cadeia de um a três anos para a mulher. No Brasil, acontecem cerca de um milhão de abortos clandestinos por ano. Desses, 250 mil resultam em internações por complicações e a cada dois dias uma mulher morre no país. De acordo com dados do Datasus, em 2016 foram gastos R$ 46.779.250,35 com as internações. Não precisa ser versado em política e economia para concluir que esse dinheiro poderia ser investido em políticas públicas de saúde, em planejamento familiar, em informação. Em países que adotam essa prática, como a França, o Uruguai, a Espanha e Cuba, os índices de aborto baixaram drasticamente, o que invalida o argumento de que a legalização transformaria o aborto em um método contraceptivo.

Os métodos para abortar são os mais variados e vão desde o consumo de remédios ao uso de objetos como agulhas. O recorte de classe aqui é inevitável: as mais pobres morrem mais. Quem tem dinheiro recorre a clínicas e com aproximadamente R$ 5 mil resolve a situação. Uma coisa é certa: pobre ou rica, na legalidade ou na ilegalidade, nada impede uma mulher de fazer aborto. Outra coisa é certa também: isso nunca acontece sem sofrimento e sem devastação psicológica.
Em culturas marcadamente machistas como a brasileira, os filhos acabam sendo responsabilidade maior das mulheres. É a mulher que fica, muitas vezes, impedida de trabalhar e de estudar porque não tem onde deixar seus filhos.  5,5 milhões de crianças brasileiras sequer são registradas pelos seus pais e cerca de 100 mil processos correm contra pais que não pagam a pensão alimentícia. Além disso, as tarefas domésticas, que envolvem o cuidado com a vida da família, esse trabalho invisível e extenuante, ainda são responsabilidade da mulher. Em comparação ao homem, a mulher gasta três vezes mais tempo com a casa. Não seria razoável, então, ouvir as mulheres sobre essa questão da legalização do aborto?

A legalização do aborto é um debate urgente e deve ser feito sem hipocrisias e falsos moralismos. Sem as hipocrisias de quem ‘defende a vida’, mas que convive muito bem com o abandono e a miséria das crianças brasileiras. Sem o descaramento daqueles que são contrários à legalização do aborto, mas que defendem que bandido bom é bandido morto, ou que querem jogar as crianças que deram errado na cadeia. A miséria, a cadeia, o abandono de todas as ordens (incluindo o intelectual), a violência e a morte, aliás, são muito bem assimiladas pelos moralistas, o que não se tolera nesse país é a ideia de a mulher decidir sobre o seu corpo. A ideia de uma mulher pensadora tomar o microfone e defender direitos. Afinal de contas, há limites para o que pode ser tolerado, não é mesmo?

Mariléia Sell é Professora Doutora dos Cursos de Letras e Comunicação da Unisinos


Um comentário:

João Emiliano Martins Neto disse...

Uma prova de que mulher tem uma certa dificuldade de pensar, de que seria meio que desajeitada para encarar os universais pela abstração que é a atividade própria do filosofar é este texto. Puta que pariu, se há bandidos fruto de gravidezes que foram adiante, mas pelo menos eles tiveram a chance de viver e se são bandidos, que sejam processados, julgados e condenados se tudo se confirmar contra a conduta dos mesmos e mesmo em um caso de pena de morte contra os tais haverá um processo. Mas, por que citar a marginalidade em caso de pobreza? Ser pobre é ser bandido? Eu mal tenho dinheiro para comprar os meus cigarros e se os compro, os compro dos mais baratos, mas nem sequer penso em roubar um só palito de fósforo alheio, porra! Não sei, mas talvez um útero atrapalhe o raciocínio, tanto que a palavra histeria vem do termo grego para útero, algo feminino, ou seja, a fulana toma o que meramente sente como se fato fosse, a tal doida, meu Deus!

Uma pessoa que vive, mesmo que sofra como um cão falta de dinheiro ou de saúde, sempre quererá estar viva ou de ao menos ter tido a chance de ter nascido do que ter sido abortada, evidentemente. Mas será que mulher não pensa? É isso? Por isso quase não há filósofas na história da Filosofia?