FRASES
SEM EFEITO
João
Eichbaum
Ao
negar validade para a complementação do valor das consultas das cooperativas de
saúde, a dona Carmen Lúcia, presidente do STF, concluiu sua decisão em tom
evangélico: “saúde não é mercadoria, vida não é negócio”.
Digamos
assim: o sujeito está incomodado por uma diarreia daquelas de desmanchar a
alma, a ponto de remetê-la para as partes baixas, através dos canais
competentes. Ele chega numa farmácia e pede remédio contra tal malefício. O
farmacêutico lhe alcança o medicamento, o cara dá de mão na coisa e some da
farmácia. Logo adiante é preso, acusado de furto. Para livrá-lo, seu advogado
apresenta na polícia a seguinte tese: “saúde não é mercadoria”. Vocês acham que
o delegado vai dar um tapinha nas costas do elemento, dizendo “vai em paz,
mermão”?
Ou
então essa: o playboy enche a cara de uísque, sai com sua Mercedes em alta
velocidade, atropela um poste, arrebenta as ventas e esfacela o crâneo. Levado
ao hospital é submetido a cirurgia de altíssimo risco. O procedimento médico
lhe devolve a vida, ele sai lépido e faceiro e não paga a conta do médico, nem
do hospital. Chamado a juízo para pagar o que deve, seu advogado apresenta a
seguinte tese: “vida não é negócio”. Salvo casos de pane nos neurônios, juiz
nenhum acolheria tal tese, para negar o direito da equipe médica à remuneração,
consciente de que o trabalho não remunerado é trabalho escravo.
Todo mundo sabe que os remédios são produto de
laboriosas e dispendiosas pesquisas. Exigem formação e preparo do pesquisador,
materiais apropriados, nem sempre disponíveis. Em suma: custam dinheiro. Para
chegarem ao consumidor, exigem investimentos dos distribuidores e das
farmácias. Ora, tudo o que envolve custo, mercado, oferta, procura, mão de obra
e cifrão, senão é mercadoria, negócio é.
O
custo da saúde e da vida é consequência da convivência social. Ninguém, no
grupo social, se basta a si mesmo: sem trocas, não há convivência. Do escambo
nasceu a economia, que gera empregos e riqueza. Dessa roda giratória não há
atividade que escape do selo da mercadoria ou do negócio. Só o indivíduo que
dispensa essa convivência e se entoca no mato poderá ter saúde grátis,
sobrevivendo com ervas medicinais.
A
Justiça existe para resolver os conflitos que nascem da convivência social. Ao
juiz incumbe assentar juízos de valor, calcados em argumentos jurídicos, axiológicos.
Não é de seu ofício fazer poesia inútil, cerzir frases, ou construir
pensamentos que se volatizam por sim mesmos. Necessidades primordiais do ser
humano, saúde e vida clamam por soluções eficazes e não por veleidades
literárias.
Nenhum comentário:
Postar um comentário