quarta-feira, 2 de outubro de 2024

 

               RETRATO FALADO

Agora, para o Estadão, ficou bem claro quem é o Lula. O retrato do ex-torneiro mecânico, que trocou essa produtiva profissão pela ambição de carreirista, foi pintado com impiedoso realismo no editorial intitulado “O Umbigo do Lula”, na edição do dia 27 último.

Para compor literalmente a imagem do ambicioso político, a editoria pinçou substantivos e adjetivos que revelam a personalidade do doutor em filosofia do ridículo, com diploma conferido pela natureza.

Não são incomuns, na velhice, certas qualificações negativas que comprometem os seres humanos como integrantes do grupo social. Incomum é acúmulo de várias delas numa só pessoa. Principalmente quando essa pessoa é tida como líder numa nação. Do texto jornalístico transparece essa intenção: a de mostrar que o Brasil não pode ser exposto no concerto internacional como país dominado pela pobreza intelectual de um “envelhecido líder progressista”.

 Narcisismo, cinismo, sectarismo, demiurgo, megalomania, incapacidade de articulação, falta de humildade, quimeras irrealistas, cinismo em estado bruto são palavras usadas no editorial, que desembocam no “comportamento grotesco”, duma “leviana e irrelevante figura”.

Não se trata de execração pública, descompostura banal, ou de um xingamento de baixo calão, como a muitos poderia parecer, mas do puro e simples retrato social do Lula, tal como ele é. Trata-se da imagem de uma criatura, que é analisada e considerada estritamente do ponto de vista de sua representação na sociedade.

Qualquer cidadão pode acumular qualificações negativas, porque a perfeição não é um atributo imanente à natureza animal. Mas, todo o cidadão, escolhido que seja como representante de um grupo social com a relevância de uma nação, tem mais a obrigação de se comportar como modelo de virtude do que enxertar no cargo as fraquezas, as impropriedades e, sobretudo, as frustrações de seu ego.

Para fugir da pobreza, da fome, da miséria que o cercava em sua terra natal, Lula buscou lugar na romaria da esperança, que leva nordestinos para a cosmopolita São Paulo. Lá teve a sorte de ser brindado com um emprego que lhe deu a profissão de torneiro mecânico. Aí, se aproveitando disso, talvez por ser mais atilado do que seus colegas, viu no sindicalismo o caminho para sair do anonimato.

A inclinação natural pela verborragia o levou aos píncaros da associação sindical. Nessa posição, teve o privilégio de dialogar com a classe dos patrões. Foi o primeiro passo para trocar a profissão de torneiro mecânico pela de “carreirista”, da qual não desistiu, enquanto não se tornou presidente da república.

A verborragia lhe serviu de instrumento para que se sentisse o pai dos pobres, o exterminador da pobreza, a esperança dos necessitados, um demiurgo que desfila na passarela do universo, esbanjando graça e harmonia, capaz de terminar guerras na base da saliva. A imagem que fazia de si mesmo o encheu de vaidade.

Mas dessa vez não deu certo. Ao regressar da Assembleia da ONU, onde produziu previsíveis disparates e torrou o dinheiro dos contribuintes com um cortejo de acompanhantes inúteis, o pai dos pobres deu com seu retrato no Estadão.

 

sexta-feira, 27 de setembro de 2024

 

UM CONTRASTE ABISSAL

 A humanidade está dividida em dois grandes grupos: os imprescindíveis e os dispensáveis. Naturalmente, essa divisão comporta inumeráveis subdivisões. Entre os dispensáveis, por exemplo, há os indesejáveis.

No Legislativo do Brasil hoje, a maioria tem seu umbigo como o centro do mundo. Legislam em causa própria, presenteiam-se com benefícios imoralmente legais. Pouco se lhes dá o povo, que serve apenas para apelidar de democracia a grande mamata que só sustenta os poderosos. O Executivo só faz discursos e esbanja dinheiro público nas viagens internacionais de luxo do casal Lula-Janja. O Judiciário, além dos mesmos defeitos explícitos do Legislativo, agora está tomando para si as funções dos outros Poderes. Mas unicamente através de ordens, emitidas por ministros postados com poses de príncipes, dispondo de pajens só para lhes ajustar a toga ou empurrar a cadeira.

O país está há várias semanas com as florestas em fogo, devastando a fauna, a flora, e intoxicando o povo. Mas só agora, por uma ordem não autorizada pela Constituição, um ministro do STF determinou a tomada das providências, até então ignoradas por Lula e pela cambada das FG, CC e dos altos salários.

Agora, em ritmo de eleições, ofensas e agressões substituem argumentos. A animalidade se sobrepõe à racionalidade. São os candidatos, ajeitando seus umbigos para mamarem deitados, nas tetas do erário.

Mas, nem tudo está perdido, porque temos pessoas imprescindíveis. Muita sorte teve, nesse sentido, quem leu a crônica do doutor José J. Camargo, na ZH do dia 17. Colunista em fins de semana, ele teve espaço extraordinário, para comemorar os 25 anos do primeiro transplante de pulmão intervivos, por ele realizado.

É uma crônica pungente, obra de quem sabe escrever. Um menino de  treze anos, atormentado por grave deficiência respiratória, tinha no transplante sua única chance de sobrevivência. Para isso era indispensável a extração parcial dos pulmões de seus pais. No dia do procedimento “relutei em sair da cama, como se fosse possível adiar o medo que me aguardava lá fora”, escreve Camargo.

Nem os deuses resistiriam sem lágrimas à pungência da cena, na entrada do bloco cirúrgico: “o menino ajoelhado na maca e gritando por falta de ar, a mãe chorando porque filho chorava, e o pai tentando, sem conseguir, acalmar os dois”. E continua o colunista: “foi só naquele momento que tive a exata noção do tamanho da empreitada: íamos operar três pessoas da mesma família... e então, perdida a chance de recuar, fomos em frente... Começada a operação, o nível de concentração sobe, e a adrenalina do medo é substituída pela endorfina que brota espontaneamente da pretensa certeza de que, calma lá, essa cirurgia nós sabemos fazer”.

Na peroração, segue uma confissão que poucos ousariam fazer: “sete horas depois, aliviado e exausto, sentei-me no chão, um jeito pessoal de tratar o cansaço. Quando o Felicetti, parceiro de todas as horas, sentou-se ao meu lado, choramos abraçados”.

Aí está a grandeza duma profissão, embutida na pequenez do homem, provando que, por sorte, há criaturas imprescindíveis para a humanidade.

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

 

RIO GRANDE DO SUL JÁ NÃO RIMA COM CÉU AZUL

 

Quem deu de olhos no título “De quem é a culpa por queimadas amazônicas”, na coluna GPS da Economia, na edição do jornal Zero Hora do dia 11, certamente não conteve a curiosidade. A fumaça, que tem apagado o tão decantado céu azul, fornecedor de inspiração aos poetas para a rima com o Rio Grande do Sul, está não só enfeiando a paisagem, como causando estragos à saúde do povo, empestando o ar.

Mas, maior do que a curiosidade foi a decepção, com a leitura do texto. Quem esperava pelo menos uma notícia boa sobre o governo petista, com o anúncio de que a polícia e o exército do Lula haviam ganhado a batalha, deitando mão dos incendiários criminosos, se deu mal. Quem se deu bem, foi o mal, que continuará sem castigo, mas castigando, impune, escondido atrás da incompetência do governo federal.

Atentem para a redação da matéria: “faz quase um mês que a fumaça das queimadas na Amazônia – e agora também no Pantanal e em São Paulo – chega ao sul do Brasil. O que gera esse acúmulo raras vezes visto de focos de incêndio é, outra vez, a mudança do clima, provocada por ação humana”.

De todo o dito acima escorre a seguinte conclusão, escrita com todas as letras: “por extensão, todos nós temos responsabilidade nesse drama”.

Sim, é isso mesmo que está ali escrito: nós somos os culpados explícitos. Não há uma palavra sequer sobre os criminosos que atiçam o fogo. É como se os “focos de incêndio” que se alastram desde a Amazônia viessem do nada, como se ninguém os tivesse atiçado, senão a “mudança do clima”, provocada “por todos nós”. Nenhuma palavra sobrou também para o órgão encarregado de zelar pelo Meio Ambiente. O nome de Marina Silva ficou resguardado como se merecesse respeitável silêncio.

Observem: as consequências dos atos incendiários são usadas como premissas de um raciocínio que conclui pela culpa de “todos nós”.  Silogismo assim, mal armado, não compõe juízo de valor, desandando em mera conjectura.

E como soaria estranho culpar exclusivamente o povo, a redação da matéria ainda se submete à inclemência da obscuridade, para pegar Lula apenas de refilão: “essa culpa coletiva não tira o peso da outra acepção da palavra: a de quem tem obrigação jurídica de responder sobre o que ocorre em seu território. O governo Lula prometeu dar o tratamento necessário. Mudou o descaso que havia antes, mas ainda não o suficiente”.

A culpa tem quatro formas: ativa, omissiva, voluntária ou involuntária. Mas, tem um sentido só. Agora a gente fica sabendo que, em se tratando do Lula, ela tem “outra acepção”...

Ah, e como não podia deixar de ser, para Bolsonaro sobrou o substantivo “descaso”.

É assim: para quem não consegue resistir aos “encantos” do Lula, Bolsonaro será sempre o culpado pelos males do país, desde abril de 1.500, mesmo que, no governo dele, o céu azul não tenha deixado de rimar com Rio Grande do Sul.

 

quinta-feira, 12 de setembro de 2024

 

SEXO NA POLÍTICA

A notícia de que o ministro Sílvio Almeida quis gozar indevidamente de seus direitos humanos com Anielle Franco, da Identidade Racial, estourou no dia do sexo.

Não sabiam? Pouca gente sabe da existência dessa data, destinada a lembrar aquele corcoveado sob lençóis, indispensável à perpetuação da espécie “homo sapiens”. Talvez tenham pulado muros, chegando aos ouvidos do pessoal do portal “Metrópoles”, os cochichos apimentados numa reunião de integrantes do governo Lula. Anielle Franco, que é flamenguista até em avião da FAB, teria aproveitado a referida reunião para informar que Sílvio Almeida era maluco por perna de moça. A notícia vazada pelo “Metrópoles”, apareceu no dia 6.

O Dia do Sexo foi criado em 2008 por José Araújo, dono da Inaltex, a que está ligado o preservativo chamado Olla. A ele se juntou Carlos Domingos, da Age, Agência de Publicidade. A data comemorativa serviria muito bem, tanto ao produto, quanto à sua divulgação. E o seis de setembro, ou seja 6/9, não foi escolhido ao acaso. Ele teve o propósito de juntar o número 6 com o 9, em alusão àquela horizontalidade de cabeças inversamente emborcadas nas partes subalternas de um e de outro.

Outra coincidência: os cargos exercidos por Sílvio e Anielle Franco. Ele, à testa dos Direitos Humanos. Ela, regendo a Igualdade Racial. Quer dizer, tudo a mesma coisa. A Igualdade Racial faz parte dos Direitos Humanos. Ou seja, não há Direitos Humanos, sem reconhecimento de Igualdade Racial. Essa interrelação de raiz deve ter mexido com a cabeça e outras partes do ministro, em cujo currículo consta o grau de doutor em Filosofia. Ele não se deu conta de que os dois ministérios só servem como uso do dinheiro dos contribuintes, para pagar alianças eleitoreiras. E se deu mal, querendo juntar as duas pastas em assunto sem o qual não haveria os Direitos Humanos: o sexo.

Nada a estranhar. Foi a filosofia sem lógica do sexo que levou o STF a mudar o gênero das palavras no art. 226, § 3º da Constituição.

Não consta das notícias que Almeida tenha apalpado os avantajados da moça, com seus dedos de doutor em Filosofia e mestre em Direito. Parece que o fraco dele não é a abundância traseira. Segundo a imprensa, o assédio à colega teria consistido em “beijos inapropriados”, com as mãos dele sumindo por debaixo do vestido dela.

Mas, não foi no Ministério que Sílvio Almeida inaugurou sua carreira de alisador de pernas de mulher. Uma organização chamada Me Too já sabia das desvergonhas, mas só referiu denúncias de várias mulheres contra as bandalheiras do doutor, depois que o assunto veio a público,

Uma candidata a vereadora pegou o barco das denúncias andando, para revelar que Sílvio, de quem era aluna, havia apalpado não só suas pernas como as partes adjacentes.

Das preliminares o ministro não tirou proveito. Fez papel de galo que só cisca, cacareja e nada mais. Como seria ele no jogo principal, na coreografia por entre lençóis e travesseiros, mulher nenhuma quis saber.

 

 

quinta-feira, 5 de setembro de 2024

 

HAVERÁ SABER JURÍDICO SEM DOMÍNIO DA LINGUAGEM?

Os gregos foram os primeiros a se dedicar à filosofia; os romanos, ao Direito. Aqueles ensinaram a argumentar e a expor ideias, como expressão de um conhecimento racional e sistemático; esses, lançaram as bases do Direito como ciência, atreladas à dialética.

Dos fundamentos científicos do Direito, elaborados pelos romanos, o mundo jurídico ocidental não abriu mão, durante muitos séculos. Essa foi a base da formação de grandes juristas.

Mas, há cerca de 70 anos, tanto as bases do Direito Romano, como os princípios que norteiam a dialética, começaram a despencar. A exclusão do latim dos currículos escolares desembocou na exclusão do Direito Romano, tal como era administrado nas Faculdades de Direito. As “Facilidades” de Direito, multiplicadas como coelhos pelo Brasil afora, contribuíram para a decadência do ensino jurídico, quando excluíram o latim de seus vestibulares.

Hoje, por exemplo, não haverá, no Supremo Tribunal Federal, um ministro sequer que tenha conhecimento do idioma de Cícero. O máximo a que algum deles se aventura, de vez em quando, é citar qualquer axioma criado pelos jurisconsultos romanos. Os últimos ministros, com sabedoria enriquecida pelo conhecimento do latim, foram João Leitão de Abreu e Antônio Cezar Peluso.

Então, não se pode exigir expressões de impoluta e augusta sabedoria dos atuais ministros do Supremo. E nem de pundonoroso comportamento. Não se pode exigir, por exemplo, que eles conheçam um dos princípios de Direito Processual, que preserva antecipadamente a imparcialidade do juiz, sua equidistância da contenda e dos contendores: ne procedat judex ex officio. Em tradução que, respeitando a letra, se torna mais didática, isso significa: o juiz não pode tomar a iniciativa para a abertura de qualquer procedimento, sobre o qual deva haver pronunciamento judicial.

Os romanos sabiam que a iniciativa é produto de algum impulso e esse, advém de algum sentimento. A imparcialidade do juiz exige que ele não esteja infectado por qualquer sentimento em relação à causa submetida à sua jurisdição. Por mínimo que seja, o sentimento sempre ocupará espaço em operações que exijam raciocínio e domínio de linguagem.

Para provar que, sem latim, a língua portuguesa, único instrumento das operações jurídicas brasileiras, está mais propensa às lições de Paulo Freire do que às de Camões, vai um exemplo. Em sua última decisão, retirando as ameaças a quem usasse o VPN para acessar o X, Alexandre de Moraes escreveu: “em decisão anterior de suspensão do funcionamento do X Brasil Internet Ltda... foi determinado... a intimação...para cumprimento no prazo de 5 (cinco) dias, devendo comunicar imediatamente o juízo, das empresas...”.

“Foi determinado a intimação”. Para regras básicas de concordância não há lugar na cultura do senhor Moraes? E na oração “devendo comunicar imediatamente o juízo”, onde está o sujeito? Ou onde está o objeto, considerando-se que o verbo “comunicar” é transitivo direto e indireto?

Entre candidatos à toga no STF, haverá quem responda, na ponta da língua: o sujeito está em Brasília. E o objeto? A resposta fugidia será: sabe-se lá onde o Moraes meteu o objeto...

 

 

sexta-feira, 23 de agosto de 2024

 

O PODER DOS HACKERS

Levantada pelo jornal Folha de São Paulo, uma notícia surgiu como bomba, na semana passada. O gabinete do ministro do STF Alexandre de Moraes, segundo o jornal, teria usado mensagens de modo “não oficial”, para que a Justiça Eleitoral produzisse relatórios sobre a atuação de aliados de Jair Bolsonaro. Esses documentos teriam servido para embasar decisões do referido ministro no famigerado inquérito das fake News, levado a efeito no Supremo Tribunal Federal.

O texto jornalístico pareceu meio receoso, usando uma expressão amena, ao afirmar que os assessores teriam usado mensagens “de modo não oficial”.

No mundo de hoje, graças à tecnologia e ao domínio dos hackers, é muito difícil tapar o sol com a peneira: falou ao telefone ou escreveu em computador, o sujeito estará exposto a chuvas e trovoadas. Como está agora o tal ministro, numa situação que se assemelha a excremento de passarinho sobre a careca.

O Gilmar Mendes, aquele que, para o senhor Barroso, “é uma mistura do mal com o atraso”, em sessão do STF, cuja pauta principal parece ter sido a plena defesa do espírito de corpo, disse que “a censura que se tem dirigido ao ministro Alexandre, na sua grande maioria, parte de setores que buscam enfraquecer a atuação do Poder Judiciário... e qualquer tentativa deliberada e infundada de intimidar ou desacreditar um ministro do Supremo deve ser veementemente repudiada”

Ora, o Poder Judiciário não precisa ser “enfraquecido”, ninguém consegue deixá-lo mais fraco do que já está. Que o diga quem precisa de Justiça, quem morre esperando por ela. E mais: ninguém precisa tentar “desacreditar” ministros daquela Corte. A Corte é que deve se fazer acreditar, operando justiça dentro da lei, seguindo o devido processo legal, e não deixando margem para supor parcialidade, favorecimentos. Se quiserem se tornar juízes respeitáveis, os ministros devem se desatrelar da ambição de serem personagens da história como figuras públicas intocáveis, donos absolutos da verdade, imunes a críticas.

Por seu turno, Barroso, o acima mencionado senhor, que até para xingar faz poesia, apresentou, ao distinto público, certificado de seus conhecimentos de Direito Eleitoral. Na referida sessão em que se levantavam vozes para engrossar o espírito de corpo, (“de corpo”, não pensem outra coisa) Barroso atribuiu a Moraes o “poder de polícia”, constante do artigo 41 da Lei nº 9.504/97.

Melhor seria que Sua Excelência tivesse calado, para não enfraquecer o Judiciário. No § 1º do artigo 41, a Lei 9.504/97 estabelece: “o poder de polícia sobre a propaganda eleitoral será exercido pelos juízes eleitorais e pelos juízes designados pelos Tribunais Regionais Eleitorais. E o § 2º: “o poder de polícia se restringe às providências necessárias para inibir práticas ilegais, vedada a censura prévia”...

O “poder de polícia” tem limites: seus detentores são os juízes eleitorais, com a finalidade de “inibir práticas ilegais” na propaganda. O presidente do TSE não é juiz eleitoral. Na instância colegiada, as funções do “juiz eleitoral” são cometidas ao Tribunal. E “inibir” nunca foi sinônimo de punir, ou instruir inquéritos criminais.

 

segunda-feira, 12 de agosto de 2024

 

        A MORTE SORRATEIRA

A mudez da caixa preta do avião tristemente despedaçado em Vinhedo, provavelmente dirá tudo: não houve comunicação de pouso de emergência. A tragédia não se fez anunciar. A trama dos acasos, que urdem fatalidades, não permitiu qualquer tentativa de salvação.

Ninguém teve tempo, nem consciência, para sofrer a pressão torturante do pavor, a gélida agonia do fim. A morte chegou sorrateira, de improviso. Veio para colocar um ponto final inesperado em histórias de amor ou de ódio. Nem ela, a morte, se concedeu o tempo de aguçar em suas vítimas o terror diante de uma dor física inevitável e da certeza de que estava tudo acabando.

Ninguém teve tempo, nem consciência, para se desfazer de todas as preocupações, traumas, carências, culpas e medos porque, antes desses, o que os levara para aquela viagem tinham sido sentimentos impulsionados pela razão de viver.  E foram esses sentimentos que os acasos reuniram numa viagem, cujo ponto final seria a morte.

Ninguém teve tempo, nem consciência, para notar que a razão começava a se embotar, ao impulso de uma vertigem. Ninguém teve tempo, nem consciência, para se sentir asfixiado. Ninguém teve tempo, nem consciência de se sentir entorpecido com a indiferença pela vida ou pela morte.

Todos, até aquele momento, só se ocupavam de alegrias, expectativas, sonhos, planos, desejos e esperanças. Como a menina, de apenas três aninhos, embalada na alegria de ficar ao lado do pai, no dia dele. Como o menino que viajava com a mãe, a avó e o cachorrinho. Como as médicas, que ali estavam, seduzidas pelo aperfeiçoamento em pesquisas para escorraçar a morte de pacientes seus, que depositavam nelas a esperança de viver. Eram médicas especializadas em oncologia, o mais temível e terrível anúncio do fim da vida. Todos estavam no mesmo avião, mas cada qual com o seu destino, seu objetivo e suas razões para fazer da vida um instrumento de alegria.

O avião, aquela potência metálica gerada pela inteligência humana para encurtar distâncias na busca de conhecimentos científicos, negócios, encontros sentimentais e tantas outras necessidades humanas, se transformara, num átimo, em mísera folha de papel que, desgovernada pelo vento, girava em torno de si mesma, envolta em chamas, destruindo vidas, das quais sobraram apenas saudades que só as lágrimas conseguem descrever.

A súbita mudança de posição da aeronave, de horizontal para vertical, em altíssima velocidade, despencando em parafuso na direção do solo, deve ter desencadeado vertigem em todos seus ocupantes, independentemente da despressurização. A consciência de estarem vivos deve tê-los abandonado, desaparecendo em frações de segundos, sem lhes dar tempo para qualquer sensação física ou psíquica.

Ninguém teve tempo de pedir perdão ou de dizer adeus. Ninguém teve medo e nem consciência, para recitar sequer uma oração suplicante, resumida em duas palavras, ainda que fossem ditadas mais pelo impulso do desespero do que por fé: “meu Deus”!

Ninguém teve tempo e nem consciência para saber que estava morrendo. Esse é o único consolo, que a dor de quem os perdeu para sempre deixa escapar.