DELICADEZAS
Paulo Wainberg
Vais me desculpar, mas Jeová andou mal quando editou o décimo mandamento. Do alto de sua divina sei lá o quê, não levou em conta a complexidade mental de sua criatura, dando à ordem uma redação, no mínimo, confusa e difusa: NÃO COBIÇARÁS A MULHER DO PRÓXIMO.
É um mandamento subjetivo, como é que faz para não cobiçar?
Você chega no vernissage e encontra o Haroldo e a Clarinha, ela uma graça, com um vestido que realça sua beleza e sensualidade. Você olha para ela e, para não desobedecer, pensa com força: Não posso cobiçar a mulher do Haroldo, não posso cobiçar a mulher do Haroldo!
Porém, cobiça. E como cobiça.
E como ficam os gays?
Se for homem, jamais cobiçara a mulher do próximo, mas está totalmente liberado para cobiçar o marido da próxima. Ou o namorado do próximo.
Se for mulher, bem, aí não poderá cobiçar a mulher do próximo, mas cobiçará, sem desobedecer à divina ordem, a mulher da próxima.
A imprecisão genérica do décimo mandamento me faz considerar que foi uma ordem meio assim, de última hora., apenas para fechar o número redondo: dez.
Porque, olhando bem, os outros mandamentos são pétreos, perfunctórios, diretos, não dão margem a dúvidas: Não matarás, não prestarás falso testemunho, não usarás Meu Nome em vão e assim por diante.
Não requerem uma Torá ou cabala a interpretar o desígnio divino.
O último, entretanto, além de ser improvável, nos torna a todos desobedientes, portanto pecadores, portanto indignos das graças celestiais.
Afirmo, sem medo de errar, que aquele que jamais cobiçou a mulher do próximo é um grande mentiroso.
Eu, fora!
Xxxxx
Resolvei matar dois coelhos com uma só cajadada, mas não consegui. Matava um e o outro escapava.
Depois de muito tentar, optei, e passei a matar um coelho com duas cajadadas. Na primeira, tonteava o bicho. Na segunda, terminava o serviço.
Me dei bem e fui feliz.
Xxxxx
Rubem Alves, numa magistral crônica que me enviaram, tem uma frase lapidar, tumular e cavalar: “O indivíduo é um ser moral. O povo é amoral.”
Cosa de loco essa sacada!
Cada um fica horrorizado diante da barbárie.
O povo vibra e se entusiasma com a barbárie.
Pergunte ao dono do banco, no velho oeste, o que ele acha do linchamento. Vai ouvir que é um horror, uma desumanidade, uma barbárie.
No dia seguinte o povo, ele no meio, ulula diante do enforcamento do bandidão.
Qualquer citoien de Paris deplorava a guilhotina.
Milhares assistiram e vibraram com a decapitação de Maria Antonieta e Louis XVI, Marat, Danton e Robespierre.
Qualquer brasileiro pensa que será terrível, se a Dilma ganhar a eleição.
O povo brasileiro vai votar maciçamente nela.
Sptetaculum.
Xxxxx
Se a grama do jardim do vizinho é mais verde do que a minha, a grama do meu jardim é mais verde do que a dele.
É tudo uma questão de ângulo, se ele é meu vizinho eu sou vizinho dele.
Conclusão 1: Todas as gramas são verdes.
Conclusão 2: Nenhuma grama é verde.
Conclusão 3: Mude-se para uma casa onde o vizinho não tem jardim.
Xxxxx
Não há paixão sem ciúmes, não há ciúmes sem ódio, não há ódio sem paixão, não há paixão sem ódio.
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