quinta-feira, 20 de abril de 2017

A LINGUAGEM DOS CIFRÕES
João Eichbaum
Alguns delatores parecem feridos pela vergonha da delação. Falam com a boca fechada, engolem sílabas, tartamudeiam, economizam gestos. Jamais alteram o som de voz. Nunca deixam extravasar outro sentimento que não seja o da humilhação. Agem como se sentissem ultrajados e diminuídos pela inclemência da Justiça

Há os formais, que usam gravata combinando com o terno. Esses não se adiantam. Limitam-se ao que lhes for perguntado e concentram a resposta em frases bem articuladas, com uma dicção perfeita, sem delongas, nem comentários. Parecem impassíveis, recitando um discurso decorado, cuidando para não resvalar em detalhes bandidos.

Mas há os exageradamente descontraídos, os que teatralizam suas confissões, dão de ombros para a ignomínia, e se comportam como se fossem os reis do baralho, exaltados pela certeza de que estão agradando.

Não os estorva o mínimo pudor, quando revelam o papel que representavam no esquema de corrupção. Não mostram um rego sequer de constrangimento no rosto, quando se referem aos apelidos dos delatados: a Amante, a Balzaca, a Feia. Tratam tudo com a maior intimidade.

Esse é o elenco do espetáculo da delação, que os noticiários de televisão têm apresentado. São criaturas amestradas no paraíso da opulência, o covil onde era tramado e reduzido a cifrões o crime, envolvendo próceres, empresários e políticos. Todos, de um jeito ou de outro, tímida, formal ou escandalosamente, falam a mesma língua: milhões, milhões, bilhões.

Esses numerais, que nunca fizeram parte do vocabulário do povo, correm no país do bolsa família, dos sem teto, dos sem terra, dos miseráveis, do SUS que não funciona, dos desempregados, dos barracos, dos bairros com esgoto a céu aberto, das estradas intransitáveis, da insegurança.

Mas tudo é possível, quando a democracia, mesmo alimentada pela miséria, é festejada com vivas à liberdade, porque aplaina o caminho para a depravação política.



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