A LINGUAGEM DOS CIFRÕES
João
Eichbaum
Alguns delatores parecem feridos pela vergonha da delação. Falam com a
boca fechada, engolem sílabas, tartamudeiam, economizam gestos. Jamais alteram
o som de voz. Nunca deixam extravasar outro sentimento que não seja o da
humilhação. Agem como se sentissem ultrajados e diminuídos pela inclemência da
Justiça
Há os formais, que usam gravata combinando com o terno. Esses não se
adiantam. Limitam-se ao que lhes for perguntado e concentram a resposta em
frases bem articuladas, com uma dicção perfeita, sem delongas, nem comentários.
Parecem impassíveis, recitando um discurso decorado, cuidando para não resvalar
em detalhes bandidos.
Mas há os exageradamente descontraídos, os que teatralizam suas
confissões, dão de ombros para a ignomínia, e se comportam como se fossem os
reis do baralho, exaltados pela certeza de que estão agradando.
Não os estorva o mínimo pudor, quando revelam o papel que representavam
no esquema de corrupção. Não mostram um rego sequer de constrangimento no
rosto, quando se referem aos apelidos dos delatados: a Amante, a Balzaca, a
Feia. Tratam tudo com a maior intimidade.
Esse é o elenco do espetáculo da delação, que os noticiários de televisão
têm apresentado. São criaturas amestradas no paraíso da opulência, o covil onde
era tramado e reduzido a cifrões o crime, envolvendo próceres, empresários e
políticos. Todos, de um jeito ou de outro, tímida, formal ou escandalosamente,
falam a mesma língua: milhões, milhões, bilhões.
Esses numerais, que nunca fizeram parte do vocabulário do povo, correm no
país do bolsa família, dos sem teto, dos sem terra, dos miseráveis, do SUS que
não funciona, dos desempregados, dos barracos, dos bairros com esgoto a céu
aberto, das estradas intransitáveis, da insegurança.
Mas tudo é possível, quando a democracia, mesmo alimentada pela miséria,
é festejada com vivas à liberdade, porque aplaina o caminho para a depravação
política.
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