terça-feira, 4 de abril de 2017

JUSTIÇA EXPOSTA AO LINCHAMENTO
João Eichbaum
Dentro da viatura da polícia federal, Adriana Ancelmo ouvia as imprecações, com a indiferença de uma estátua de cera, sem o mínimo sinal de que estivesse se sentindo atingida. Mas o povo, que a esperava nas proximidades de sua residência, não dava a mínima para essa frigidez e a tratava como refugo da sociedade: “ladra, vagabunda, volta pro Bangu”.
Enquanto isso, sua fada madrinha, a ministra Maria Thereza de Assis Moura, servia como alvo de impropérios de todos os matizes nas redes sociais.  Poucas vezes se viu, neste país coalhado de bacharéis, uma avacalhação assim uníssona, amargurando a glória do pessoal de toga.
Mas aí alguém resolveu sair do tom. Foi o doutor Alberto Zacarias Toron, que expressou indignação nesse quilométrico período: “a prevalecerem comentários que achincalham os juízes apenas por terem aplicado a lei, reconhecendo direitos a acusados estigmatizados por crimes que ainda estão sendo apurados, vamos chegar ao ponto em que o magistrado só será legitimado ou homenageado quando mandar o réu para a cadeia, ainda que cometendo uma ilegalidade”.
Pelo jeito, o doutor, que apanha do vernáculo, também desconhece princípios rudimentares de silogismo. Ele parte de uma premissa absconsa, não definida no texto. A equação que propõe se torna capenga, por uma simples razão: a ministra xingada nas redes sociais não aplicou lei alguma. Pelo contrário: além de estar sem jurisdição, em Paris, desrespeitou a Súmula 691 do STF e as decisões do próprio STJ, além de suprimir instância recursal.
Já o desembargador, cuja decisão foi anulada pela ministra viajante, diz o seguinte: “em regra não se concede prisão domiciliar automaticamente às diversas mulheres presas e acusadas pelos mais diferentes crimes, apenas porque tenham filhos menores de até 12 anos de idade".
Ora, partindo desse pressuposto, outra coisa não fez o desembargador senão aplicar o princípio constitucional da isonomia, inscrito no art. 5º da Constituição Federal: “todos são iguais perante a lei”. Afinal, se é negada a regalia da prisão domiciliar para outras mulheres em iguais condições, por qual razão ela seria deferida em favor de Adriana Ancelmo?

O defensor da ministra se apega unicamente à jurisprudência, que recusa o mandado de segurança como instrumento para emprestar efeito suspensivo aos recursos. Mas, jurisprudência não é lei, não revoga a Constituição e não impede o livre convencimento do juiz, na análise de casos concretos, se o tema não estiver consolidado em Súmula. E outra coisa: a prisão domiciliar não é direito líquido e certo, desatado pela maternidade em si.

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