ESQUEÇA
João Eichbaum
É chegada
aquela hora em que você descobre a inutilidade da razão. Por mais que você lhe
dê tratos, ela não consegue lhe responder, tendo como ponto de partida a escala
dos valores, pelos quais se avalia o comportamento dos seres humanos: por que o
cidadão cumpre o seu dever, mas o Estado não?
Faltam só
três dias para acabar com sua tortura. O que eram horas de lazer se tornou
tempo de desprazer: o horrífico imposto de renda. Eis que o termo final se
aproxima e você sabe que, na última hora, tudo pode acontecer. No último dia, a
internet fica congestionada, o computador congela, e você sente aquele suor
frio, contando as horas, e depois os minutos, que o separam da multa.
Claro, você
deixou para os últimos dias, porque nada o entusiasmava, nada o convidava à
pressa. Quem é que tem pressa para pagar? E agora você descobre que abril é o
pior dos meses do ano, o mês que passa mais depressa, porque o Leão da Receita
Federal passa suas patas enormes nas folhas do calendário.
Já que é
chegada a hora de se entregar à inglória tarefa de confessar tudinho à Fazenda
Nacional, e o que mais lhe dá vontade é de beber, putear e blasfemar, o único
recurso que lhe resta é escapar do fardo das más lembranças, porque a razão não
lhe dá motivos de alegria.
Esqueça que
você está declarando rendimentos. Você está apenas declarando o quanto ganhou
para sustentar sua família, para educar seus filhos, para lhes dar saúde, para
lhes garantir segurança. Você está apenas declarando o quanto ganhou para
sobreviver e para pagar também IPTU, IPVA, ITBI, IPI, ISSQN, taxa de luz, taxa
de água, taxa de lixo, ICM nos remédios, na comida, no lazer, no prazer, em
outras miudezas do cotidiano, enfim.
Esqueça.
Não pense nas indecências que esperam pelo seu dinheiro. Esqueça que ele vai
pagar o esplendor da existência para a Marcela e o Michelzinho. Que ele vai
pagar diárias, verbas de gabinete, transporte, subsídios, planos de saúde,
aposentadorias, cabos eleitorais e coisas impublicáveis de deputados e
senadores. Esqueça que ele vai sustentar a vagabundagem do MST, as bacanais da
UNE e de outros profissionais da baderna.
Esqueça que
você está pagando por alguma coisa que nunca irá receber. Esqueça que sem imposto não haveria
auxílio-moradia para juízes, promotores, procuradores. Esqueça que você paga
por uma previdência precária, instável, que pode mudar de uma hora para outra,
deixando sua velhice entregue às mãos do destino.
Esqueça,
enfim, que você vive num país loteado por políticos, empresários e outros
sacanas sem qualificação, que usam para negócios infames o dinheiro que a
Fazenda assaca de você. Esqueça tudo
isso. É a única maneira de não ter pena de você mesmo e de fugir da implacável
perseguição do fisco, que só pega peixes pequenos, da sua estatura.
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