VIRGENS NA ZONA?
João
Eichbaum
Ao completar 90 anos, o ancião resolveu dar-se de presente uma virgem. Então
telefonou para Rosa Cabarcas, dona de um bordel que atendia a clientes
especiais, para lhe fazer a encomenda. Esse é o enredo do último romance de
Gabriel Garcia Márquez, MEMÓRIAS DE MINHAS PUTAS TRISTES.
O livro, longe daquilo que o título possa sugerir, não conta histórias de
meretrício nem aventuras de alcova, mas expõe realidades da vida. Algumas chocam
e enternecem, ao mesmo tempo. Outras são de uma evidência irrecusável, como a
de que puteiro não é lugar para virgem.
Mas o romance de Gabriel Garcia Marques passou longe da realidade
brasileira. Aqui, nesta terra onde tudo é perfeito para a felicidade dos
políticos, há uma zona de meretrício pervertida pelo resplendor do poder, chamada
Brasília. Desde anteontem, quando apareceu o listão da Odebrecht, ou do Janot,
como queiram, soube-se que lá havia virgens.
A ninguém assombra que, na esperada lista, figurem nomes de gente que
enriqueceu dando e recebendo, ao longo de uma legislatura atrás da outra. O que
causa espécie é o nome de figurinhas que sempre mostraram um comportamento de
freira, sem vocação nem virtudes de putas, ou a postura de Catilinas metidos a
macho, donos da moral e dos bons costumes políticos.
Os eleitores pensavam que tinham as chaves das aldravas da honra das
virgens que elegeram para o Senado e para a Câmara e, de repente, lá está, para
escarmento geral, o nomezinho delas, no meio das rameiras que ganharam a vida
só fazendo aquilo: entregando-se para a Odebrecht.
Esse é o resultado de um sistema no qual se elege o “diálogo” como
instrumento de hegemonia de ideias. Há ideias que emperram no meio do caminho,
porque o povo as recusa. Mas o contubérnio político chamado “diálogo” tudo
resolve. Desde priscas eras é considerado bom político aquele que tem trânsito
na oposição, aquele que sabe dialogar.
É claro que esse “diálogo” tem seu preço: ninguém dá nada de graça. Aí
começa o rompimento do hímen da honestidade. Qualquer vantagem que contribua
para a manutenção no poder deixa a honra em segundo plano. Então, desaparecido
o alarme do pudor social, nada impede a prostituição.
O povo já sabia que não há virgens disponíveis na zona. Mas, parece que
não estava muito convicto disso. Agora, o listão da Odebrecht apaga todas as
dúvidas: todo mundo é desonesto, até prova em contrário.
Nenhum comentário:
Postar um comentário