MEMÓRIA PROFANADA
João
Eichbaum
Dá para levar a sério quem afronta a opinião dominante, ao comparar
Gilmar Mendes com Rui Barbosa? Pode alguém, com a alma inteira e a razão no
lugar que lhe reservou a natureza, considerar Gilmar Mendes o sumo pontífice do
Direito Constitucional brasileiro?
O responsável pelo indigesto
paradoxo é o mesmo que assina o texto a seguir: “sua
atuação em prol do desenvolvimento dos meios de efetivação das normas da
Constituição, com o que o STF cumpre o papel positivo de construtor da ordem
prevista pela Lei Magna, é evidente para os instruídos”.
O
que dá para extrair desse excerto prolixo, ambíguo, coleante, áspero, torcido como
um pavio, que deixa o leitor sem respiração se tiver coragem de chegar ao
final? Para que tipo de leitores o articulista pensa que escreve, com essa
linguagem obscura, que esconde o essencial – se é que de essencial se pode
cogitar, num amontoado de vocábulos inúteis?
Manuel
Gonçalves Ferreira Filho é o nome do gajo que compara Gilmar Mendes com Rui
Barbosa. No currículo dele sobressaem as seguintes honrarias, segundo a Folha
de São Paulo: professor emérito e titular aposentado de direito constitucional
da Faculdade de Direito da USP, doutor honoris causa da Universidade de Lisboa,
doutor pela Universidade de Paris, ex-professor visitante da Faculdade de
Direito de Aix-en-Provence, membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e
presidente do Instituto Pimenta Bueno – Associação Brasileira dos
Constitucionalistas”.
Não
é preciso ser “doctor honoris causa”, como o Lula, para constatar que o Brasil,
hoje, está divorciado de preceitos ortodoxos do Direito Constitucional. O
Executivo legisla. O hímen da constitucionalidade da República é vítima de seu
próprio guardião, o Judiciário. O Legislativo só trata de salvar a própria pele.
Nenhum dos poderes trabalha escrupulosamente dentro das funções
constitucionais.
Os
amiudados encontros entre Gilmar Mendes e Michel Temer, à sombra de árvores no
pátio do Palácio Jaburu ou em jantares no Alvorada, turvam a ideia
constitucional de separação dos poderes. Tais conciliábulos, incompatíveis com
as funções que lhes cabem no sistema, podem levar a maus pensamentos. Por
exemplo, que estejam trocando ideias sobre a maneira como o Temer se irá manter
no trono, onde não chegou com as próprias pernas.
O
doutor Manuel poderá encontrar em Gilmar Mendes as virtudes que sua amizade com
o ministro quiser construir. Mas, não conseguirá transformá-lo num ícone como Rui
Barbosa. Basta Gilmar Mendes abrir a boca, para que o povo faça o mesmo, com
fastio. Nesses momentos, ninguém se lembra de Rui Barbosa. Nem para imaginá-lo
coçando os bagos, de cuecas, entediado.
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