LINGUAGEM
João Eichbaum
O esfigmomanômetro, o bisturi e a broca são instrumentos de trabalho de
médicos e dentistas. O vernáculo é o instrumento profissional dos diplomados em
Ciências Jurídicas e Sociais, curso comumente conhecido pelo nome de Direito.
De que haja médicos e dentistas incapazes de lidar com os respectivos
instrumentos de trabalho não se tem notícia. Mas notícias aos borbotões há de
bacharéis, mestres e doutores em Direito que não dominam o vernáculo, nos dias
de hoje.
Vejamos alguns exemplos que fazem chacoalhar os ossos de Camões. Da lavra de Edson Fachin: “o representado
apresentou petição protocolada sob o número 0030426, onde apresenta
contrarrazões”. E essa: “em razão da regra do art. 53, § 2º, da Constituição da
República, cuja interpretação restritiva superadora de sua literalidade
considero a mais correta...”
Ao invés de “o representado apresentou petição, onde apresenta
contrarrazões...” seria menos agressivo ao vernáculo dizer: “o representado contra-arrazoou”. No excerto “em razão da
regra do art. 53, § 2º, da Constituição da República, cuja interpretação
restritiva superadora de sua literalidade considero a mais correta...” o
pronome “cuja” foi despido de suas funções gramaticais de tal forma que o texto
não comporta correção. E a “interpretação restritiva superadora” não passa de
amontoado de vocábulos, sem sentido: quebram qualquer regra de sintaxe.
Do repertório de Marco Aurélio Melo: "no tocante ao recolhimento
do passaporte, surgem ausentes elementos concretos acerca do risco de abandono
do país, no que saltam aos olhos fortes elos com o Brasil”. Sem comentários,
porque é muito difícil, senão impossível, destrinchar ideias enroscadas numa
construção obtusa.
De Dias Tofoli: “as características morais têm sido designadas
exclusivamente aos homens e mulheres...” Características são elementos ínsitos
em alguém ou em alguma coisa. E, sendo elementos ínsitos, não podem ser
“designados”, porque são imanentes nos seres que qualificam, não podendo migrar
de um para o outro.
De Carmen Lúcia: “A matéria de que aqui se cuida é mais sujeita que o
comum de quantas daquelas que são trazidas a este Supremo Tribunal aos
opinamentos...” Essa é de uma ambiguidade de engasgar papagaio falante: “mais
sujeita que o comum de quantas daquelas que são trazidas...”
O pleno domínio do vernáculo é a “conditio sine qua non” da
interpretação e da aplicação da lei. Muitos erros judiciários advêm da
deficiência nesse campo. Quem busca a Justiça, no Brasil, precisa mais de
sorte, do que qualquer outra coisa. Afinal, os médicos e dentistas podemos
escolher. Mas, os juízes, não.
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