terça-feira, 11 de julho de 2017

LONGE DOS DEMÔNIOS, O PARAÍSO
João Eichbaum

Foi com o coração despedaçado pela dúvida que o jovem seminarista deixou a casa dos tios, onde tinha ido passar as férias. A prima, que ele conhecera criança, se tornara uma exuberante adolescente, com saltitantes olhos verdes e um tobogã de cabelos dourados que lhe desciam até a cintura.

Então ela o libertou do medo de amar, e a paixão se abateu sobre ambos, exigindo dele uma decisão entre a carreira sacerdotal e o primeiro amor de sua vida. Ao se despedir da prima, com o coração doído, prometeu comunicar-lhe o caminho que haveria de tomar.

Dias depois, ela recebeu uma carta. Em bilhete anexo, a mãe do rapaz comunicava sua morte: ele caíra num desfiladeiro, em Innsbruck, ao colher um Edelweiss, para juntar na carta em que anunciava à amada a decisão de abraçar o sacerdócio.

Histórias como essa enriquecem a literatura alpina. Muito mais do que uma paisagem maravilhosa, os Alpes são a expressão de uma poesia, como nenhuma outra há pelo mundo. É uma força impalpável, mágica, da qual artista nenhum consegue se divorciar. É só lá que a natureza opera o milagre de dar vida, na neve, ao Edelweiss, a flor que foi adotada como símbolo do amor.

Músico nenhum no mundo conseguiu fazer de sua obra uma beleza permanente, como a fez Mozart. E só os Alpes, o paraíso da neve e do verde pastoril, explicam isso. A poesia musical e literária, enraizada no folclore alpino, inspira tanto os mestres, como os que vivem o dia a dia da montanha.

“Der Winter hat sein Abschiedslied beim Wind bestellt” diz a canção La Pastorella, anunciando a chegada da primavera: “o inverno encomendou ao vento sua canção de despedida”.

E sobre o amor: “die Liebe ist kein Spiel der Ewigkeit, drum schenk' ihr jeden Tag von Deiner Zeit”. Para pensamento de extrema beleza, não há, em português, uma tradução que não lhe roube um pouco da poesia: “o amor não é um jogo da eternidade, então presenteia-o com o teu tempo, a cada dia.”

Felizmente, nesse templo construído pela natureza como fonte de inspiração para o melhor da alma humana, não chegaram os energúmenos, os profissionais do ultraje público. Ficaram lá por Berlin e Hamburgo, semana passada, infernizando a vida de quem não pensa como eles. Tudo longe dos Alpes. Sob a aura da magia alpina, sobranceira e inquebrantável, fenece qualquer maldade que venha dos homens.


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