LONGE DOS DEMÔNIOS, O PARAÍSO
João Eichbaum
Foi com o coração despedaçado pela dúvida que o
jovem seminarista deixou a casa dos tios, onde tinha ido passar as férias. A
prima, que ele conhecera criança, se tornara uma exuberante adolescente, com
saltitantes olhos verdes e um tobogã de cabelos dourados que lhe desciam até a
cintura.
Então ela o libertou do medo de amar, e a paixão se
abateu sobre ambos, exigindo dele uma decisão entre a carreira sacerdotal e o
primeiro amor de sua vida. Ao se despedir da prima, com o coração doído,
prometeu comunicar-lhe o caminho que haveria de tomar.
Dias depois, ela recebeu uma carta. Em bilhete anexo,
a mãe do rapaz comunicava sua morte: ele caíra num desfiladeiro, em Innsbruck,
ao colher um Edelweiss, para juntar na carta em que anunciava à
amada a decisão de abraçar o sacerdócio.
Histórias como essa enriquecem a literatura alpina.
Muito mais do que uma paisagem maravilhosa, os Alpes são a expressão de uma
poesia, como nenhuma outra há pelo mundo. É uma força impalpável, mágica, da
qual artista nenhum consegue se divorciar. É só lá que a natureza opera o
milagre de dar vida, na neve, ao Edelweiss, a flor que foi adotada como símbolo do amor.
Músico nenhum no mundo conseguiu fazer de sua obra
uma beleza permanente, como a fez Mozart. E só os Alpes, o paraíso da neve e do
verde pastoril, explicam isso. A poesia musical e literária, enraizada no
folclore alpino, inspira tanto os mestres, como os que vivem o dia a dia da
montanha.
“Der Winter hat sein Abschiedslied beim Wind
bestellt” diz a canção La Pastorella, anunciando a chegada da primavera: “o
inverno encomendou ao vento sua canção de despedida”.
E sobre o amor: “die Liebe ist kein Spiel der
Ewigkeit, drum schenk' ihr jeden Tag von Deiner Zeit”. Para pensamento de
extrema beleza, não há, em português, uma tradução que não lhe roube um pouco
da poesia: “o amor não é um jogo da eternidade, então presenteia-o com o teu
tempo, a cada dia.”
Felizmente, nesse templo construído pela natureza
como fonte de inspiração para o melhor da alma humana, não chegaram os
energúmenos, os profissionais do ultraje público. Ficaram lá por Berlin e
Hamburgo, semana passada, infernizando a vida de quem não pensa como eles. Tudo
longe dos Alpes. Sob a aura da magia alpina, sobranceira e inquebrantável,
fenece qualquer maldade que venha dos homens.
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