terça-feira, 18 de julho de 2017

O JUIZ
João Eichbaum

Manda o artigo 35 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional que o juiz aja com serenidade, ao aplicar a lei. A serenidade é um estado de ânimo que exige despojamento de qualquer emoção, uma disposição de espírito desprovida de sentimentos.

Com a serenidade são incompatíveis a tristeza, a euforia, o medo, o ódio, o amor, a vaidade, a mágoa, a compunção e quaisquer outras manifestações do sistema nervoso, que desatem emoções.

A única manifestação de espírito que combina com a serenidade é a do intelecto, a que elabora o pensamento científico, a que organiza a lógica e a dialética no discurso.

Nos tempos modernos, esse condicionamento intelectual, essa reserva de espírito que serve à serenidade, é muito difícil. Redes sociais, revistas, jornais, rádio, televisão, holofotes que levam à fama, a chamada mídia, enfim, constituem verdadeiro mundo opressor, do qual só se liberta quem tiver força para fugir da glória.

Sérgio Moro caiu na cilada desse mundo opressor. Sua personalidade foi absorvida pela mídia, por ser matéria boa para produzir manchetes. O magistrado foi transformado no homem do momento, no expoente da máquina judiciária, no valor humano indispensável para o exercício do poder.

Era o prelúdio do desconcerto de uma aventura humana. E aconteceu o pior que podia acontecer a qualquer juiz. Moro foi eleito pela opinião pública como um divisor de águas: a dos que amam e a dos que odeiam Luiz Inácio Lula da Silva. Daqueles, Moro se tornou inimigo; desses, o herói trovejante, o destruidor do mito Lula.

 O turbilhão de emoções, em que foi envolvido o magistrado, se reflete na sentença condenatória de Lula.  Se o absolvesse, Moro seria despencado do alto da fama. Se o mandasse à prisão, seria odiado e exposto à execração, como o braço parcial da Justiça.

Resultado: a sentença foge do padrão processual. Ela se empobrece como juízo de valor, quando deixa vazar impertinente pedido de desculpas pela condenação, e quando se entrega ao irrefreável instinto de defesa, ocupando espaços com explicações pessoais. Aí, o julgador se mistura aos personagens da causa. Além disso, digressões estranhas comprometem o formato legal do silogismo jurídico, que deve ser limitado a três caracteres: relatório, fundamentação e conclusão.

Para o ofício de julgar, mais propriedades oferece a solidão monástica do que o palco. A exposição pública é inimiga do recato. Este, por sua vez, constitui o substrato da serenidade, imposta pela lei da magistratura. E outro não é o espírito da lei, senão evitar que magistrados sejam expostos a ovações e apupos, como o são, por contingência de seu trabalho, os juízes de futebol.


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