terça-feira, 28 de novembro de 2017

OS INTERNAUTAS E AS DESGRAÇAS ALHEIAS
João Eichbaum

Um aparente descaso dos noticiários e a falta de solidariedade dos internautas encobrem o desaparecimento do submarino argentino ARA San Juan. Além do cotidiano exercício do rancor, somente  manifestações sobre coisas de menor importância continuam ocupando o espaço das redes sociais.

Mas, ligeiras noções de antropologia podem explicar o fenômeno. O animal humano, antes de tudo, ama-se a si mesmo sobre todas as coisas: é egoísta. Seguem-se, na ordem de suas propriedades, o epicurismo e o pragmatismo, em versão mais branda do que as teorias filosóficas nesse campo.

Para quem não sabe: epicurismo é o culto do prazer, e pragmatismo, a tendência para ver e fazer as coisas a partir do lado prático,  economizando esforço. Evidentemente, ninguém quer ser infeliz. Todo o homem anda à procura da felicidade e, quanto menores forem as dificuldades para alcançá-la, tanto melhor será.

Pela ordem, a quarta propriedade que marca o ser humano é sua natureza gregária: o homem, como os outros animais, não pode viver só. Sua convivência em grupo é exigida pela lei básica da preservação da espécie.

Exatamente por força desse convívio, nascem os sentimentos de comiseração, de solidariedade, de compaixão, de apego. Promovem-nos primeiramente os laços de sangue, a família, o parentesco. Depois, a intimidade, gerada pela convivência mais estreita no grupo social.

O que sobra dessa corrente de afeto vai para o resto da humanidade, se é que não se esgota no gato, no cachorrinho ou nos peixinhos do aquário.

Hoje, quando já não há distância, nem falta de informação para se saber o que acontece no mundo, as desgraças alheias agasalham um potencial maior de comoção. Algumas, mais do que outras. Por exemplo, a foto daquele menino morto, de bruços sobre a areia, onde fora despejado pelo mar, arrancou lágrimas, protestos e revolta em todo o mundo. Era uma criança indefesa, jogada ao léu pelo destino, refugada pela vida, abandonada pelos deuses.

A tragédia dos jogadores da Chapecoense também verteu nas redes sociais uma tristeza sem força para reter as lágrimas de muita gente.  Já o caso do submarino argentino, mais próximo do mistério do que da realidade sangrenta, por enquanto não passa da presunção de uma desgraça. Na verdade, só os fatos, dando vida à notícia, agasalham um potencial maior de comoção pela dor alheia. A mesma força virtual não a tem a presunção, o imaginável.

Por enquanto, fiéis às regras da natureza, os internautas das redes sociais mantêm o usual entretenimento com as coisas que dizem respeito a seu ego: o prazer de mostrar ao mundo que existem, e as tentativas de remover, no grito, os empecilhos à sua felicidade.




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