QUANDO O FRUTO DO VENTRE
NÃO É BENDITO
João Eichbaum
A paixão, como tudo na
vida do animal humano, tem seu prazo de validade. Tanto a paixão de longo
curso, que leva ao casamento, como a paixão efêmera, que arrasta para o
acasalamento, depois de algumas cervejas num bailão da Scharlau.
E para cumprir a
prazerosa missão de perpetuar a espécie, de que nos incumbiu a natureza, o
tempo propício é o da paixão. Pouco importa se ela é acidental ou de longo
curso. Só há uma condição fundamental: o cio da fêmea.
Estando no cio, a fêmea
se entrega porque quer e sabe, de antemão, qual será o resultado. Mesmo que
seja fruto de uma noite ou de um acaso qualquer, ela abraça, ama, amamenta,
cria com dedicação esse resultado, a expensas próprias, ou à custa de uma
pensão alimentícia.
Mas, se ela não se
entregou e foi coagida, dominada, abusada, vilipendiada, sob ameaça de morte ou
sob tortura, sua dignidade dá vazão ao nojo, à repulsa, à revolta e – por que
não? – ao ódio contra o bandido que nela aninhou os dejetos de sua animalidade.
Em qualquer sociedade
civilizada, nenhuma mulher pode ser obrigada a conviver com o vilipêndio. Mas,
essa regra de respeito ao ser humano não tem força para se impor à mentalidade de
energúmenos, que sucumbiram à lavagem cerebral de superstições religiosas.
Por 18 votos contra um, a
comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou texto de reforma
constitucional que estabelece a concepção como “começo da vida”. Tal disposição,
provinda da cachola de um tal de Jorge Muladen, do DEM, repercute diretamente
no Direito Penal, transformando o aborto em “crime contra vida”.
Nessa comissão, composta
de 33 membros, mais de vinte são evangélicos. O único voto contrário foi da
deputada Erika Kokay, do PT. O projeto se destinava à extensão do período da
licença-maternidade, para mães de prematuros. Mas foi estragado com água benta.
Para sustentar o
disparate, o deputado pastor Eurico, do PHS, abriu a boca exaltada e cheia de
dentes, expelindo adjetivos alusivos a folclóricos espíritos, criados pelo
imaginário popular: “a defesa do aborto é diabólica, satânica, não queremos uma
destruição em massa de inocentes”.
“Destruição em massa de
inocentes”, segundo a mitologia cristã, ocorreu em Belém, (Mt, 2:16-18) por
ordem de Herodes, enquanto o menino Jesus era levado, são e salvo, para o
Egito, por sua mãe Maria e o padrasto José. E Javeh, o deus mitológico da
bancada evangélica, nada fez para impedir a matança. Agora, que Jesus Cristo
está rendendo dízimos, querem legalizar o imoral.
Nenhum comentário:
Postar um comentário